20110923
andaimes
Voltei a senti-lo ontem.
Tivemos aqui a entrega dos diplomas do ano passado e voltei a senti-lo ontem.
Como a nossa presença na sua vida é fugaz! Bastam alguns dias de distância, uma mudança de paradigma, os olhos postos num qualquer outro futuro, e tudo muda. O olhar, o sorriso, a cumplicidade, tudo é feito agora de uma forma mais distante, mais fria, muito mais impessoal.
É normal que assim seja. Arriscaria a dizer até que é bom que assim seja. Temos que ter a capacidade de avançar, de continuar caminho, de fazermos nossas outras vidas e de sermos nós próprios vidas de outros. Tudo isso seria impossível de acontecer sem essa capacidade de avançarmos, transportando as nossas memórias, integrando-as naquele que queremos seja o nosso futuro.
A nossa tentação de nos estabelecermos no cimo da montanha, montarmos a tenda e apreciarmos a paisagem é enorme. Queremos sempre guardar as pessoas que nos são mais queridas, os momentos mais marcantes, as experiências mais profundas de forma a vivermos delas, da sua eterna e constante repetição. Quando o fazemos esquecemos que apenas nos ligamos a outros porque em algum momento da nossa vida nos fomos desligando dos nosso pais, dos nossos amigos da infância, dos nossos primeiros professores, e que todos eles, uns mais outros menos, fazem parte agora do património que constitui o que verdadeiramente somos. E que se tivermos sorte nos voltaremos a ligar a umas outras pessoas que terão um papel tão importante e tão fundamental na nossa vida como o tiveram aqueles de quem tanto nos custa desligar hoje.
Quando olhamos para um edifício vemos apenas o que está acima da superfície. Vemos a sua cor, a sua beleza, o tempo que por ele já passou. Se gostarmos verdadeiramente desse edifício até nos podemos dar ao trabalho de o conhecer melhor e investigamos os seus alicerces, a planta que o tornou possível, conseguindo até adivinhar a ideia do arquitecto quando o concebeu. Podemos ver quase tudo o que tornou aquele edifício possível. Excepto uma coisa sem a qual a construção não seria possível: os andaimes. Estavam lá desde o início da construção, acompanharam toda a construção, foram a última coisa a ser retirada terminada a construção. Apesar de imprescindíveis, não há contudo qualquer registo da sua presença. Colocam-se quando ainda não há nada para apreciar e são retirados para não esconder o que é para ser apreciado. No final, ou são entulho ou então, na melhor das hipóteses, servirão de suporte a uma outra obra.
Sempre que penso em andaimes penso no Sr. Vicente. Marcou-me muito,pelo que dizia, pelo que não dizia, pelo prazer que tinha em servir os outros. Ensinou-me muito, principalmente a beleza de ser andaime. A determinada altura os nossos caminhos separaram-se e nunca mais nos vimos. Soube há alguns anos que ele tinha falecido e não me tinham dito nada. Chorei baba e ranho.
Por vezes gosto de pensar em mim como andaime.
Se no fim mais alguém o fizer, já valeu a pena.
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