O sonho é uma das minhas maiores e mais fiéis características de personalidade. Não implica que não goste da minha realidade ou que deseje uma outra vida, mas o sonho sempre foi, no meu caso, efetivamente, uma realidade alternativa. Uma mochila às costas de alguém, um Land Rover Defender, a imagem de um balão de ar quente, são motivos tão bons para viajar dentro de mim quanto uma casa de madeira no alto de uma colina à beira mar onde posso receber os meus netos ou um filme com as vicissitudes quotidianas de um casal apaixonado. Uns e outros são bons pretextos para projetar, imaginar, e, nalguns dos casos, quando a conjugação dos astros é perfeita, concretizar. Antes acreditava que isso acontecia como escape mental, como acontece com aqueles tipos que estão na cadeia mas ainda assim são profundamente livres. Mas agora não me sinto minimamente preso, ou infeliz, ou incompleto, e ainda assim, nas minhas peripatéticas manhãs à beira mar, ou enquanto conduzo, surpreendo-me frequentemente numa outra dimensão onde a viagem interior se consegue conciliar com o despertar dos sentidos.
Logo nas primeiras cenas identifiquei-me com o Walter Mitty. O mesmo ar estúpido, os mesmos apagões, as mesmas alternâncias entre realidades alternativas, tudo para mim era de uma verosimilhança incrível. Acontecia com ele, poderia acontecer comigo. Embora a minha realidade seja mais a que aconteceria no filme depois de ele acabar. Mas podia ser eu!
Talvez tenha sido um hábito que ficou dos longos dias da infância gastos a calcorrear os mundos que lia nos imensos livros, ou um resquício das esdrúxulas tentativas de enganar a solidão copiando, criando e habitando mundos alternativos.
Talvez seja isso ou outra coisa qualquer ou talvez até seja coisa nenhuma.
Não importa.
Nem quero saber!


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