Ontem tivemos um dia quase todo nosso. Apenas nosso. Eu andava ansioso por esta oportunidade. Ele também, embora a sua sensibilidade e discrição o impeçam de o dizer. Metemo-nos no carro e fomos às compras. Os dois. Apenas os dois. Uma tarde de homens. Um bom pretexto para falarmos de dores e alegrias e frustrações e sucessos e insucessos que o quotidiano força a silenciar. Por pudor, por falta de tempo, por comodismo, por não conseguirmos sempre chorar juntos o que deveríamos chorar juntos. Se este não tem sido um ano fácil para nenhum de nós, para ele tem sido particularmente difícil. Porque a sua personalidade tem algumas caraterísticas: sensibilidade extrema, atenção cuidada e cuidadora, silêncio criterioso. Por isso sofre em silêncio, à distância, e quando lhe perguntamos se está bem a sua resposta é invariável: como o aço. Não fosse o seu olhar e até poderíamos acreditar.
Ontem era para conversarmos dele. Como quem não quer a coisa. Alternando assuntos sérios com larachas e carros e miúdas e vídeos da net. Disse-me que a importância das notas é muito relativa, que aquilo que mais o preocupa é desiludir os que ama e o amam. E tu, quando te olhas ao espelho, o que achas disso? Não é assim tão importante. São apenas notas. A vida é mais que isso. Parecido com o pai. Demasiado, para os meus gostos.
Não há amor como o que se tem aos filhos. Não há. Por vezes até vemos e ouvimos notícias de pais que fazem mal aos filhos mas, salvo algumas patologias, se formos ao fundo constatamos que é por desespero. Que para eles, estupidamente ou não, há dores piores que a morte. O sofrimento constante dos filhos, por exemplo.
Talvez seja por isso que, nesta semana santa, dê comigo a pensar tanto em Maria. Disse-o no fim de semana passado sem nunca ter pensado nisso a sério, mas desde então não me saiu da cabeça. Maria acompanhou a vida, as alegrias e dores do seu filho. Viu-o ser recebido com hossanas e rejubilou com ele. Viu-o ser cuspido e insultado e martirizado e morto e sofreu com ele. Mas nunca deixou de o acompanhar. Num sofrimento, como qualquer pai ou mãe sabe, provavelmente maior que o do próprio filho, porque era ao seu menino que estavam a fazer aquilo. Porque os filhos, qualquer que seja a sua idade, qualquer que seja a nossa idade, são sempre os nossos meninos. Contrariamente à imagem doce que demasiadas temos dela, Maria teria que ser uma mulher do caraças, de armas, de fibra, para poder suportar a sua vida e a do seu filho. Teria que ser uma leoa, com uma capacidade enorme de se ultrapassar para poder fazer o possível e o impossível pelo seu filho. Teria que ter uma coragem enorme para se permitir acompanhá-lo naquela via sacra que é, particularmente, a sua via sacra. Se calhar, será esta a Maria que valia mais conhecer a fundo. Teríamos mais a aprender com ela em matéria de entrega aos nossos filhos.
Eu tenho.
Cada vez mais.

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