O que afere a amizade? Quais os critérios que me permitem afirmar que alguém é ou não amigo? A presença, constante ou episódica, quando preciso? O facto de me ajudar a crescer? A minha vontade de estar na presença de...? A partilha dos mesmos pontos de vista, dos mesmos ideais? A partilha de experiências fortes? A admiração e o respeito profundos pela sua personalidade?

Por vezes penso que os meus amigos são aqueles que estarão disponíveis para mim sempre que eu preciso deles. É uma visão utilitarista e egoísta, que não quero crer que seja verdadeiramente definidora da amizade.  Até porque outras vezes acredito que são aqueles cujo sabor interior permanece imune ao tempo, que podemos até passar muito tempo sem nos vermos mas quando estamos juntos vivemos esse momento como se o passado cedesse o seu lugar a um eterno presente, num tempo que não tem tempo. Mas depois, no entanto, eis que conheço alguém com quem sintonizo imediatamente, descobrindo uma empatia que também é imune ao tempo, porque nunca existiu passado e tudo é futuro. Um futuro que muitas vezes se fica pela expectativa e nunca chega a concretizar-se, sem nunca, contudo, perder o sabor. É menos amigo por isso? Sinto-o menos por isso? Estaria menos pronto a estar por isso?

Um dia destes, estava eu a tentar explicar uma matéria de história a uma miúda do Centro, e aproveitei para lhe falar de Jesus, de como foi tão importante que até dividiu o tempo. Ela, na sua inocência de menina, disse que era uma pouco como nós os dois, que agora a escola era muito diferente do que era antes porque percebia melhor as coisas.

"Não tem nada a ver" e rimo-nos os dois, mas eu fiquei a pensar nisso. Um bom amigo é mesmo aquele que nos divide o tempo, que nos interrompe o tempo, que provoca um antes e um depois na nossa vida sempre que nos encontramos. Pode ser um encontro breve, um cruzar no corredor; pode ser uma conversa mais séria ou outra de coisa nenhuma; pode ser um café rápido ou uma refeição prolongada; pode ser um dia de festa ou um velório... pode ser tudo isso e muito mais, mas o que é certo é que o nosso dia muda. Naquele dia houve um antes e um depois, houve alguém que nos roubou ao nosso tempo e se apropriou dele e de nós e se tornou encontro nem que seja apenas nos nossos pensamentos, naquele lugar onde apenas encontramos quem queremos encontrar, onde apenas está quem queremos que fique.

Ainda hoje não sei muito bem o que afere um amigo. Penso em Isabel, que quando recebeu a visita de Maria, sentiu o menino a saltar-lhe no ventre. Eu, na ausência de menino, meço estas coisas pelo sobressalto do coração.

É o melhor indicador de todos. Diz-me o Tempo.

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