Por vezes, depois de escrever qualquer coisa por aqui, recebo alguns ecos positivos. Que escrevo bem, que deveria pensar em publicar o que escrevo, se calhar um livro... Volta e meia, ao entrar para aqui, deparo-me com a estatística dos meus eventuais leitores. Passo sempre a correr, quase de olhos fechados, como em criança passava em frente do Bazar Paris, na Rua de Sá da Bandeira, para não cair na tentação de desejar o que nunca poderia vir a ter.

Por várias vezes escrevi aqui que volta e meia sou acusado de ser pouco ambicioso. Sou-o, efectivamente. Gosto muito do que vou tendo, aprecio muitíssimo o que vou conquistando, passo a passo, e consigo ter espaço e tempo para saborear esses momentos, por muito curtos ou pouco importantes que pareçam aos olhos alheios. Esta valorização do pequeno não me rouba ao grande, mas, pelo contrário, creio que me vai proporcionando uma consistência que de outra forma nunca teria.

Eu não quero escrever com a responsabilidade de ter que escrever. De agradar a públicos, de pensar se quem me lê gosta ou não gosta. Eu não gosto nada desse tipo de pressão, de ocupar a cabeça com coisas dessas, quando escrevo justamente para a aliviar desse pequeno mundo que tanto me incomoda. É como quando canto. Uma vez caí na tentação de aceder a um dos muitos convites que me faziam quando era novo, de tocar e cantar num lugar público. Para mim, foi horrível e tirou-me todo o gozo que normalmente tenho quando canto. A ideia que as pessoas estavam ali apenas para me ouvirem, que poderiam até ter pago para o fazer e a responsabilidade de ter que justificar o seu gasto de tempo, provocou-me uma pressão tal que prometi a mim mesmo que nunca mias o faria. Passava-se a mesma coisa, aliás, quando jogava futebol. Nos treinos era excelente mas nos jogos não fazia nada porque acusava muito a responsabilidade e facilmente cedia à pressão. Estas coisas não são para mim.

Ontem, ao jantar, discutia com as minhas filhas a importância da liberdade, que é um dos mais preciosos bens que podemos ter. E eu gosto muito de ser livre. De escrever quando me apetecer, o que me apetecer, sem me preocupar se me lêem ou não, se gostam ou não. Gosto de sentir, preciso de sentir, essa liberdade que me vai permitindo descobrir-me lentamente, paulatinamente, sem grandes preocupações com avanços ou recuos, com construções de frases, com linguagens mais ou menos eruditas. Gosto muito da minha liberdade de poder escrever o que me dá na real gana, ao sabor do momento, do que sinto no momento, sem me incomodar se me desdizer dois dias depois.

Escrever sempre foi, para mim, tão fundamental como respirar. Quando não existiam os blogues escrevia num qualquer papel, que depois deitava fora. Tenho na cabeça, ainda, uma frase completamente estúpida, que escrevi vezes sem conta, só pelo gozo de escrever: "Dada a inconsistência pública que normalmente se normaliza nas situações não normalizadas, chegamos à conclusão que a normalização não é tanta como a que se diz." Não conheço nada tão estúpido quanto isto, e ainda hoje o escrevo muitas vezes. Escrever é, para mim, um acto de libertação pura, de ficar sem amarras, de me deixar ir ao sabor do pensamento.

Por isso, tal como fazia em miúdo quando passava em frente do Bazar Paris, irei continuar a passar pelas estatísticas desviando o olhar.

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