Nunca percebi a dificuldade em entender Fernando Pessoa. Talvez porque nunca percebi como se pode ser uno. Talvez porque nunca tenha conseguido ser uno. Talvez porque por vezes gostaria tanto de ser uno que o meu olhar se foca exclusivamente no que me impede de ser uno. De me sentir uno. De ser, pensar e agir como uno. Talvez porque passei tanto tempo a tentar ser uno que a determinada altura só valorizava quem conseguia ser uno. E me desvalorizava. Noutra determinada altura aprendi que mais importante que ser uno era ser. De corpo e alma. Ser. De cabeça erguida. Ser. Amadamente. Ser. E se não podia, não conseguia ser uno na completude seria uno na diversidade. Seria uno em cada momento. Seria uno em cada aspeto. Seria uno em cada alteridade. Não seria uno mas unos. Em cada coisa, em cada momento, em cada tarefa, seria todo. Corpo e alma. E assumi que não sou uno mas unos. 

O problema é que não chega. Nunca chega. Não chega para mim. Não chega para os outros. Nunca chega. Porque ser unos não é ser uno. Porque o dia não é feito da soma artimética dos momentos. Porque a semana não é feita da soma aritmética dos dias. Nem os meses. Nem os anos. Nem a vida. Porque não é de soma aritmética que trata a vida. É de continuidade. E eu não sou a soma aritmética dos eus. Sou eu. E este eu tem que ser continuidade. Expectativa. Confirmação. Certeza. Ou, pelo menos, não se pode render e tem que continuar a ser eu. Apesar do cansaço. Apesar do "falta muito?". Apear do "nunca chega".  

A soma aritmética dos grãos de areia confere beleza ao deserto. Mas é sobre a rocha que se edifica.

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