20210128

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Chegam aqui entusiasmados. Conhecendo-os como os conheço, já sei porquê. No bolso têm raspadinhas ou então talões de apostas. Algo que os faça sentir momentaneamente ricos por pouco dinheiro. Ou não. No fundo nem é assim tão importante. No fundo nem saberiam ficar ricos. No fundo, é outra a intrínseca mecânica que os leva a gastar o parco dinheiro nas apostas. 

Em casa dos meus pais sempre se apostou. Eu dizia, em tom de (mais ou menos) brincadeira, que o melhor que havia lá em casa tinha sido resultado de uma qualquer aposta. A minha mãe, então, tinha essa entre outras imensas e funestas adições. Que me transmitiu geneticamente. Que eu aprendi a controlar Algumas. 

No final de um destes dias de trabalho ia a pensar nisto enquanto conduzia de regresso a casa. Neste factor esperança ou sonho ou possibilidade de futuro, o que se lhe queira chamar, e que me habita até à medula. Houve um tempo - muito tempo, demasiado tempo - em que pensei que isso acontecia porque não gostava da minha realidade. No entanto, agora gosto e essa sensação permanece latente. Não tem a ver com ganhar ou perder, também, mas creio que tem a ver com sonhar, com apenas caber inteiro no sonho, com não caber todo na realidade, por muito boa e cumpridora que a realidade seja.

Na verdade, é isso que representam as apostas, as raspadinhas, as rifas que me fizeram companhia na infância. O sonho. A possibilidade de futuro. A esperança. Talvez seja essa a minha maior adição: a esperança. 

Podia ser pior.

20210126

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Não consigo entender a persistência da raiva. E do insulto. Eu até sou bastante colérico: facilmente me envolvo numa discussão qualquer que seja o assunto. Mas, Graças a Deus, são cada vez menos as vezes em que perco a cabeça. No entanto, mesmo na altura em que isso acontecia com alguma - bastante - frequência, eram explosões, meras descargas, findas as quais eu sentia uma culpa tão grande para com quem explodia que, em vez de sentir raiva, sentia necessidade de pedir desculpa. Nunca, na minha vida, fiquei com raiva de alguém para além desses breves momentos. Claro que há pessoas de quem gosto menos, claro que há algumas que ignoro, que finjo não ver, que me fazem passar para  outro lado do passeio. No entanto, ao mínimo sinal de uma qualquer necessidade sua, sou o primeiro a ajudar. Sei-o porque já aconteceu. E de uma forma estranha: não nos falamos, houve a necessidade, intervim, voltamos ao que era antes, sem qualquer aproximação daí decorrente, sem qualquer mágoa adicional por não ter havido reaproximação. A verdade é que não desejo mal a ninguém. Mesmo! Uma das coisas boas do excesso de jogo de cintura - que leva à complicação em alguns casos - é que é-me relativamente fácil entender as motivações alheias. Entendendo-as, posso até não gostar delas e vida em comum acabou, mas não consigo nunca nem empurrar para a sarjeta nem deixar ficar ma sarjeta. espanta-me por isso tanta raiva que todos os dias leio nas redes sociais. Mesmo como mero vomitanço, é demais!

20210121


 

“Ask yourself the following first thing in the morning:

What am I lacking in attaining freedom from passion?
What for tranquility?
What am I? A mere body, estate-holder, or reputation? None of these things. What, then? A rational being.
What then is demanded of me? Meditate on your actions.
How did I steer away from serenity?
What did I do that was unfriendly, unsocial, or uncaring?
What did I fail to do in all these things?”

EPICTETUS, DISCOURSES, 4.6.34–35

 

Há, no amor, um imenso mar de imprescindibilidade. À partida, não é absolutamente necessário. Acordamos, respiramos, comemos, fazemos, cumprimos, pensamos e sentimos. Somos. Pela metade. Meramente metade.

 

20210120


 

Nunca percebi a dificuldade em entender Fernando Pessoa. Talvez porque nunca percebi como se pode ser uno. Talvez porque nunca tenha conseguido ser uno. Talvez porque por vezes gostaria tanto de ser uno que o meu olhar se foca exclusivamente no que me impede de ser uno. De me sentir uno. De ser, pensar e agir como uno. Talvez porque passei tanto tempo a tentar ser uno que a determinada altura só valorizava quem conseguia ser uno. E me desvalorizava. Noutra determinada altura aprendi que mais importante que ser uno era ser. De corpo e alma. Ser. De cabeça erguida. Ser. Amadamente. Ser. E se não podia, não conseguia ser uno na completude seria uno na diversidade. Seria uno em cada momento. Seria uno em cada aspeto. Seria uno em cada alteridade. Não seria uno mas unos. Em cada coisa, em cada momento, em cada tarefa, seria todo. Corpo e alma. E assumi que não sou uno mas unos. 

O problema é que não chega. Nunca chega. Não chega para mim. Não chega para os outros. Nunca chega. Porque ser unos não é ser uno. Porque o dia não é feito da soma artimética dos momentos. Porque a semana não é feita da soma aritmética dos dias. Nem os meses. Nem os anos. Nem a vida. Porque não é de soma aritmética que trata a vida. É de continuidade. E eu não sou a soma aritmética dos eus. Sou eu. E este eu tem que ser continuidade. Expectativa. Confirmação. Certeza. Ou, pelo menos, não se pode render e tem que continuar a ser eu. Apesar do cansaço. Apesar do "falta muito?". Apear do "nunca chega".  

A soma aritmética dos grãos de areia confere beleza ao deserto. Mas é sobre a rocha que se edifica.

20210119

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Nada existe, nada acontece, nada se sente, acima do Amor. Não existe escala de conceitos, filosofias ou conhecimentos que supere a certeza, íntima, profunda, quase secreta, de se saber amado. Intimamente amado. Profundamente amado. 

Li ontem algures que um padre apoia o Ventura. O seu argumento é que este condena a eutanásia, que é o único factor dogmático que está em causa. O racismo, a estupidez, a barbaridade são achismos acerca dos quais o dogma da Igreja nada diz. Logo, são secundários. Triste igreja a sua, que, entre amar e dogma, escolhe o dogma. A minha - que é a também a sua - é a de Jesus que, sempre que teve que escolher, escolheu Amar.

Ando a ver uma série - Billions - onde as duas personagens habitam pólos opostos da sociedade: da justiça - promotor público - e da trafulhice - investidor!  à medida que avança verificamos que, sob a aparência, nada é assim tão claro: um e outro necessitam de jogadas dúbias para se manterem à tona, trocando de papéis várias vezes. E há algo que (n)os une: no final do dia, importa contar com o amor de quem (n)os conhece bem.Inteiros!

Conversamos, discutimos, amamos. Não somos de superfícies nem de coisas por dizer Não somos de calar, de deixar andar, de fazer de conta. Somos do profundo, do rir juntos, do chorar juntos, do planear juntos, do construir juntos, do recomeçar juntos. Juntos é a palavra chave, qualquer que seja o verbo que a antecede. 

Não existe alegria maior que me sentir amado.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...