20180329


El problema no es la jaula o el pájaro, o el pájaro dentro de la jaula. 
El problema es la jaula dentro del pájaro.  
Jorge Ampuero


Acabei de ler. às vezes leio, vejo, oiço coisas destas, que imediatamente sinto que me têm como destinatário.

As minhas jaulas, a minha preocupação em identificá-las, em pensá-las, em libertar-me de umas e permitir-me outras, são uma constante na minha vida desde que me reconheço cm capacidade para me refletir. É um daqueles casos em que o meu instinto e o meu consciente andam normalmente de candeias às avessas. Instintivamente, rejeito tudo o que me limita. Quando sou confrontado com qualquer tentativa, deliberada ou não, de condicionamento, reajo sempre de forma negativa. Sempre. O meu primeiro impulso é barafustar, normalmente com um travo a Contumil. Depois, quase sempre imediatamente a seguir, o sangue chega finalmente ao cérebro e percebo que é impossível fazer escolhas sem as correspondentes implicações na minha vida. O curioso, que atesta bem a paradoxalidade da minha personalidade, é que odeio sentir-me preso com a mesma intensidade com que odeio sentir-me liberto. Ou que não me queiram prender. Ou que não seja suficientemente importante para que alguém me queira prender.

Sonhei sempre opostos. Pai e Explorador. Eremita e Dinamizador. Exposição e Recolhimento. Festa e Silêncio. E na minha vida escolhi sempre, sempre, o que me prendia, quem me prendia, quem me segurava, quem me dava raízes para que eu me pudesse ganhar asas.

20180321


Ser pai nunca foi um projeto. Assim como ser marido. Ou educador. Ou amigo e companheiro confessor e escutador e tudo aquilo que volta e meia vou conseguindo ser. Mesmo o ser profissional, eu tenho dúvidas se foi um projeto. Preparei-me, estudei, tive um vislumbre do que queria ser e, acabei sendo feliz fazendo algo que nunca tinha projetado como profissão. Na realidade, em tudo aquilo que me é de fundamental e verdadeiramente importante e decisivo, escolhi não projetar. Escolhi abandonar-me. Fechar os olhos e saltar. Se sonhei casar e ter filhos? Claro que sim. Desde sempre foi o elemento mais constante dos meus sonhos. Sonhava chegar a casa, abraçar por trás a minha mulher, que sorri quando chego, dar-lhe um beijinho no pescoço e ir rebolar no chão da sala com os filhos, que me contagiam com a sua alegria. Este era o meu sonho desde miúdo. E concretizei-o. Vezes sem conta. Ainda agora (exceto a parte do rebolar no chão da sala "ó pai, ó pai, tem juízo!!") Mas foram coisas sonhadas, não projetadas. Nunca nos sentamos a definir que casaríamos no ano x e teríamos os filhos no ano y e z. Sentávamos, decidíamos e avançávamos. Ou então - a maior parte das vezes - nem tínhamos tempo para nos sentarmos e ajustávamo-nos ao que a vida nos ia dando. Sempre com grande flexibilidade, sempre com a confiança a ultrapassar pela esquerda os medos que nos assolavam, que era muitos. Se é forma de vida que desejo para os meus filhos? Sei lá! O que eu desejo é que eles sejam felizes e sejam capazes de discernir o melhor caminho para lá chegar. Que é o seu e não o meu. Se me perguntarem, digo-lhes para não projetarem a vida em demasiado, para se ajustarem ao que a vida lhes vai dando e que se concentrem mais em ser felizes com a vida que têm que em ajustar a vida à sua ideia de felicidade. À medida que a idade vai avançando e vou conversando e vou partilhando, apercebo-me que todos nós temos momentos infelizes na vida, todos nós fazemos coisas das quais nos envergonhamos e todos nós, em determinada altura, metemos os pés pelas mãos. É tão certo como o respirar. Então se projetarmos tudo ao milímetro...
Aquilo que é verdadeiramente importante e significativo na minha vida, o que faz com que eu seja eu, o que me faz acordar todas as manhãs a sorrir, é muito mais o que me acontece - ou melhor, a leitura que eu faço sobre o que me acontece - que aquilo que eu programo acontecer. A isso, ao que programo, eu chamo agenda de trabalho. E não me liberta. De todo!

20180319


Já não são bem assim, que esta foto tem cerca de três anos. São ainda assim por que serão sempre assim para mim. Miúdos. Pessoas extraordinárias, com capacidades verdadeiramente extraordinárias, com escolhas extraordinárias. Mas miúdos. Os meus miúdos.

A minha vida tem passado por uma série de convulsões, fruto de uma procura, que se pretende definitiva, de definição pessoal. Como estas coisas não acontecem por separado mas são como ímans, que se atraem umas às outras, colocaram-me há dias uma questão que começava assim: "se eu te perguntar quem é o Zé..." Já me estão a ver a salivar! Sou como aqueles putos que adoram que façam perguntas sobre eles próprios. Provavelmente porque cada resposta - que é muito variável em função do momento - é mais um degrau para que eu a consiga responder com maior grau de verdade. E passito a passito...

Ontem, enquanto não desperdiçávamos o sol, íamos conversando justamente isto. Em boa verdade, como respondi a quem perguntou, o Zé não é, o Zé vai sendo. E toda a vida foi sendo, foi procurando, foi tacteando, foi-se entregando ora a uma ora a outra realidade, sentido que pertence ora a uma ora a outra realidade, por vezes concorrentes entre si, por vezes até antagónicas, como se apenas desempenhasse papéis em cima do palco que ia sendo a sua vida (falar na terceira pessoa até facilita! eh eh eh). No entanto, como eu peripateticamente dizia ontem (sou muito peripatético, as mais das vezes sem peris) quando olho para trás vejo coisas que foram por mim desde sempre sonhadas e que agora são vida.

Quando, por brincadeira, me apresento aos miúdos que tenho diante de mim, apresento-me sempre da mesma forma: olá, eu chamo-me zé, sou casado e tenho cinco filhos. Todos eles sabem disto e correspondem na brincadeira! Se acrescentasse a isto sou católico e portista, estava feito o retrato dos alicerces do Zé. Ser pai, no entanto, é aquilo que sou no mais profundo de mim. As coisas boas, as camelices, as noites mal dormidas, as noites acordados, as discussões as canções, as brincadeiras, as procuras pessoais, as aventuras e desventuras, tudo isso tem os meus filhos como pano de fundo. É tão intenso, tão profundo, tão overwhelming - à falta de uma palavra em português - que é verdadeiramente indescritível.

Se calhar, quando voltarem a colocar a questão "se eu te perguntar quem é o Zé..." eu responda: é pai.

20180314


Hoje, quando soube da morte do Stephen Hawing sorri. Imaginei-o a chegar, surpreendido, junto do Pai e a ser acolhido de braços abertos e um sorriso ainda maior.

Tenho as maiorias das divisões como artificiais. Porto e Lisboa, Norte e Sul, Novos e Velhos, Católicos e Protestantes, Ateus e Crentes, tudo não passam de etiquetas que têm apenas o intuito de nos facilitar a vida, dificultando-a. Nunca me apercebi que fossem divisões efetivas, a não ser nas pessoas medrosas e mesquinhas. Todos temos a nossa própria história, todos somos sujeitos às nossas circunstâncias e todos lutamos contra elas até as incorporarmos devidamente, sabiamente, nas nossas personalidades. Claro que somos também o resultado delas, mas estamos longe, muito longe, de sermos gente apenas determinados pelas circunstâncias. Gosto sempre, por isso, de olhar bem à minha volta, de observar, de retirar as camadas que, cuidadosamente, todos colocamos em cima de nós para tentar ver quem existe por debaixo de tudo o que coloca em cima. É fascinante!

Adoro ler, devoro letras desde muito cedo na minha infância, mas não são as letras que me ensinam o que quer que seja. São as pessoas que estão dentro de cada leitura, são as que escrevem, são as histórias que escrevem, são a intenção da escrita, é a vida lida, sentida, sonhada, vivida, que me ensina. E eu seria profundamente estúpido se levantasse barreiras a aprender, a quem me quisesse ensinar, apenas porque não tem a etiqueta certa. Ainda um dia destes dizia que Saramago me ensinou muito da minha fé e da Igreja. Stephen Hawing também, claro, apesar de ambos estarem nos meus antípodas. Ou sobretudo por estarem nos meus antípodas e por intermédio deles eu ter que me questionar e à minha fé, ter que escolher, que tomar uma posição, uma decisão, tão válida quanto a de cada um deles, porque é a minha. Assim como a sua é a sua. Resulta dos nossos percursos interiores e exteriores.

Acredito mesmo que todos somos uma centelha de Deus. Todos. Ainda antes de sermos pessoas. Cabe à nossa inteira e exclusiva liberdade vivê-la como bem entendermos, nos moldes que entendermos, se o entendermos. Não tenho que a impor a ninguém - o primado da liberdade é para mim muito sério - nem sequer que a referir numa qualquer discussão, e muito menos usá-la como argumento. Mas foi justamente por causa dessa centelha que sorri hoje de manhã. Porque acredito nela. E sobretudo porque acredito no Pai que, para espanto do próprio, acolheu já Stephen Hawing junto de si.

20180312


Contrariamente ao que por vezes penso e digo (estas duas coisas andam quase sempre de mãos dadas) eu sinto o peso da idade de uma forma ostensiva. O primeiro impacto foi, curiosamente, físico. Há uns anos olhava-me ao espelho sempre com uma enorme confusão porque via o meu pai. Somos fisicamente parecidos e à tantas no meu imaginário ele ficou como que bloqueado no tempo e eu apanhei-o. Houve uma altura até em que deixei crescer a barba para que me pudesse ver a mim e não ao meu pai do outro lado do espelho. Depois da aparência foram chegando as limitações: as marcas das noites mal dormidas, as pernas pesadas das viagens, as dores nas articulações. Nada disto se coadunava com a imagem que tinha de mim próprio, e muito menos com o fulgor que me ardia no peito. Há pouco tempo, a maturidade. Que, curiosamente, começou a ser percebida de fora para dentro, a medida que outras pessoas se dirigiam a mim interessados na minha própria visão das coisas do mundo. A incredulidade inicial - porque raio vêm ter comigo pessoas que sabem muito mais que eu? - foi dando lugar à rendição que, se calhar, até poderei ter algo para partilhar.

Tive mais um daqueles fins de semana fabulosos. Dos que me acrescentam, dos que me preenchem a alma, dos que me enchem de orgulho e confiança na malta nova que daqui a quinze dias será dona disto tudo. Miúdos da idade dos meus filhos que, tal como eles, apesar da procura, têm já dentro de si todos os ingredientes que nós, os da minha geração, apenas conseguimos - os que conseguimos - vinte anos depois. Esta malta nova tem já uma mundivisão, um querer, uma capacidade que é já capaz de transformar o mundo. Assim eles o queiram. A determinada altura olhava-os e escutava-os, embevecido, pequenino, privilegiado por poder estar ali.

Vou-me sentindo cada vez menos um miúdo. O que é estranho. Natural. Mas estranho. Vou percebendo cada vez melhor o meu lugar, o meu papel, sentindo cada vez menos necessidade de brincar às casinhas ou me armar aos cágados. A procura, sempre presente, vai sendo no entanto cada vez menos generalista, cada vez mais objetiva, localizada, circunscrita ao que é verdadeiramente esencial. Ontem, num pequeno jogo que implicava que pensássemos a uma distância de vinte anos, percebi com clareza esta nova realidade, na qual os sonhos provavelmente terão que dar a lugar às realidades sonhadas. Não é mau. Nem bom. É o que é. É a vida a seguir o seu percurso. Saiba eu acompanhá-la.

20180309


Foi um jantar de família memorável.

Para começar, uma das minhas filhas cumpriu a tradição: pagar um jantar quando começa a ganhar o seu próprio dinheiro. É-me sempre um pouco estranho quando isso acontece, mas creio que será mais um passo na aquisição de alguma humildade no meu papel de pai, que ainda é, para mim, o de cuidar. Sou, muitas vezes - demasiadas para os meus gostos (para o meu orgulho) - cuidado pelos meus. Mas o tempo não corre para novo, e estas coisas, como todas na vida, ajudam-nos a ir percebendo a transformação do nosso lugar e dos nossos papéis na família.

Depois, pelo intenso debate, na mesa redonda da refeição (reservamos sempre aquela mesa redonda porque é à nossa medida) acerca da fé, da Igreja, da forma como nos inquietamos e vivemos a nossa vida com Deus dentro. É um tema mais ou menos recorrente cá por casa. Educamos os nossos filhos numa fé sem amarras nem obrigações. Com deveres, sim, com exigências, sim, mas apenas aquelas que emanam de Jesus, da vida de Jesus, e não tanto os preceitos da Igreja, na qual vivemos mas não nos sentimos presos. Esta liberdade na fé, esta responsabilidade na forma de viver no quotidiano da fé, transmitimos aos nossos filhos, incentivando a elaboração do seu próprio pensamento, da sua maneira própria de assumir e viver a fé com os outros.

É um risco, eu sei. Mas assumido. Ainda ontem pudemos constatar como eles têm percursos interiores muito diferentes. Mas muito assumidos. Uns mais dentro do esquema habitual, outros a correr mais por fora, no tempo das grandes questões e inquietações da vida, das grandes escolhas. Todos muito saudáveis, atentos e livres, Graças a Deus!

A liberdade tem vindo a adquirir, na minha vida, uma importância cada vez maior. Na forma como me vejo, como vivo, como acredito, como defino e sigo o meu percurso. Não me custa acreditar que seja esse o motivo para que viver não tenha sido - quase nunca é - um passeio no parque. Não é segurança, o que eu procuro na fé, não é palas para os olhos, não é quietude. Mas também não é desafio e inquietude e ultrapassagem pela esquerda. Paradoxalmente, não é a Deus que procuro. Esse eu tenho como certo, como presente na minha vida, tenha eu ou não consciência dessa presença. Se calhar, o que eu procuro constantemente, quem eu procuro na minha fé sou eu mesmo, ou, se quisermos, é aquele exato ponto onde, no mais íntimo de mim, o humano que eu sou se encontra com o divino que Deus me faz ser. É uma demanda sem fim, eu sei. Desassossegada. É a minha demanda.

Ontem, enquanto jantávamos naquela mesa redonda, enquanto discutíamos todos o que verdadeiramente procuramos, só sentia orgulho pela falta de certezas dos meus filhos. Estão todos em demanda. Na sua própria demanda. Que mais pode um pai desejar?

Deus seja louvado!

20180308


Sou do cíclico. Sou da espera, do antecipar, do arrumar, engavetar, do projetar do futuro, do saborear o passado. Sou da distância, sobretudo se temporal, do repesar e do repensar, do refletir, do descobrir e decidir. Sou do diálogo entre o tudo e o nada, do fluir, do efémero, da fome de eternidade. Sou do hoje, do aqui, do agora, e do sonhar, do preparar, do anunciar. Sou da penumbra e da alvorada, da manhã que ainda não é manhã, da noite que ainda é dia. Sou do efémero, da areia que se escapa por entre os dedos, sou do tempo que passa e se torna passado, peso, âncora, raiz. Sou do deambular, do sempre novo, do descobrir, sou do reconhecimento do olhar, do antecipar, da certeza da espera. Sou da chuva num dia de sol, sou do reflexo do sol no chão que piso quando caminho no cinzento da manhã. Sou das gaivotas, das asas ao vento, da liberdade, sou dos elefantes, firmes e pesados, agarrados à terra, tendo como horizonte o lugar do último suspiro. Sou da verdade do "às vezes", da autenticidade do "nem sempre", da redutibilidade do "para sempre", do efémero "nunca mais". Sou do âmago, das entranhas, do tumultuoso profundo, sou do inconsciente, do inconsistente e inconsequente. Sou e não sou frequentemente, alternadamente, genuinamente, em função do vento, do sol da manhã, do sonho, do cansaço. E em tudo o que sou, o que procuro ser, sempre, é justamente, precisamente, almadamente, o que não sou. Em cada momento.

20180301


O sonho é uma das minhas maiores e mais fiéis características de personalidade. Não implica que não goste da minha realidade ou que deseje uma outra vida, mas o sonho sempre foi, no meu caso, efetivamente, uma realidade alternativa. Uma mochila às costas de alguém, um Land Rover Defender, a imagem de um balão de ar quente, são motivos tão bons para viajar dentro de mim quanto uma casa de madeira no alto de uma colina à beira mar onde posso receber os meus netos ou um filme com as vicissitudes quotidianas de um casal apaixonado. Uns e outros são bons pretextos para projetar, imaginar, e, nalguns dos casos, quando a conjugação dos astros é perfeita, concretizar. Antes acreditava que isso acontecia como escape mental, como acontece com aqueles tipos que estão na cadeia mas ainda assim são profundamente livres. Mas agora não me sinto minimamente preso, ou infeliz, ou incompleto, e ainda assim, nas minhas peripatéticas manhãs à beira mar, ou enquanto conduzo, surpreendo-me frequentemente numa outra dimensão onde a viagem interior se consegue conciliar com o despertar dos sentidos.
Logo nas primeiras cenas identifiquei-me com o Walter Mitty. O mesmo ar estúpido, os mesmos apagões, as mesmas alternâncias entre realidades alternativas, tudo para mim era de uma verosimilhança incrível. Acontecia com ele, poderia acontecer comigo. Embora a minha realidade seja mais a que aconteceria no filme depois de ele acabar. Mas podia ser eu!
Talvez tenha sido um hábito que ficou dos longos dias da infância gastos a calcorrear os mundos que lia nos imensos livros, ou um resquício das esdrúxulas tentativas de enganar a solidão copiando, criando e habitando mundos alternativos.
Talvez seja isso ou outra coisa qualquer ou talvez até seja coisa nenhuma.
Não importa.
Nem quero saber!


Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...