20160928
Tendo a olhar para as pessoas a partir de uma perspetiva enquinada. De baixo para cima. Passei anos a tentar perceber porque era assim, porque os outros me pareciam sempre mais tudo, mais inteligentes, mais bonitos, mais simpáticos, mais sortudos, mais queridos por todos, a começar, claro está, por mim. Talvez tivesse sido a infância, talvez tivessem sido as circunstâncias da minha vida, talvez toda a gente seja assim e apenas eu penso nisso, sei lá, mas a verdade é que quando começo a conhecer alguém a minha primeira sensação é de gratidão. Por me permitirem conhecer, por me permitirem entrar na sua vida, por me permitirem fazer caminho. Talvez porque acredite muito nisso: que basta conhecer para se fazer caminho. Essa gratidão - que me é inerente e quase permanente - faz com que me apresente desarmado. E, não raras vezes, ajuda a desarmar.
Existiu um tempo, contudo, em que não fui assim. Armei-me aos cágados, compensando com o que tinha tudo aquilo que deixara de ser. Dei-me mal, claro. Estrondosamente mal. E aprendi. Espero eu!
No entanto, apesar de já o conseguir aceitar sem questionar em demasia, nem sempre gosto dessa minha perspetiva. Porque uma visão debaixo para cima, não sendo a pior de todas, dificilmente é a correta. O que me vale é que essa vou conseguindo tê-la. À medida que me vão puxando o olhar para cima.
20160926
Não. Ainda não voltei. Refugiei-me lá, no meu mundo, meu apenas, a tentar colocar a cabeça em ordem, a tentar silenciar a gritaria, a escolher possibilidades, alternativas, caminhos. Refugio-me lá cada vez mais frequentemente, numa espécie de regresso às origens, que se acentua à medida que a idade vai avançando, Com cada vez menos pachorra para tricas, com cada vez menos vontade de me justificar e tentar explicar processos que nem eu sem muito bem como acontecem cá por dentro, com cada vez maior ânsia de meter pés a caminho, por fora e por dentro, onde apenas o passo seguinte importa, por vezes sem rumo, por vezes sem rota, por vezes sem outro destino que não o que vou tendo diante do olhar a cada passo dado. Ou sonhado!
Mentiria se não dissesse que me assusta um bocado, este afastamento, cada vez mais presente, cada vez mais assíduo. Porque me é confortável, cómodo, natural. Por vezes é até desafiante, colocando-me em percursos interiores poucas vezes percorridos, onde a cada nova paisagem descubro um novo desafio, ou uma nova leitura sobre o que me vai acontecendo. Mas afasta-me. Dos outros, dos que me provocam e contestam e me fazem crescer, dos que me apoiam e incentivam e me fazem crescer, dos que comigo rezam e cantam e me fazem crescer.
20160923
Pronto prévio: eu acredito no amor incondicional. Eu próprio, assim como quase todos os pais (mesmo aqueles que aparentemente não amam da maneira que entendemos ser melhor), vivo um amor perfeitamente incondicional há mais de 25 anos, que se tem prolongado no tempo e que se prolongará independentemente do que aconteça nas nossas vidas. Esse é o amor verdadeiramente incondicional que eu conheço: sempre total e totalizante, sempre arrebatador, sempre ardente, sempre imenso, pleno e infinito. Mas o amor de pai não é, de todo, um amor desligado. É amor atento, nem que seja pelo canto do olho, é um amor presente, nem que se esteja longe, é um amor intrínseco, nem que seja subvalorizado.
Eu não acredito num amor a dois incondicional. Num amor onde seja permitido tudo, sem retorno, sem partilha, sem cumplicidade, sem construção, sem futuro. Amor a dois exige reciprocidade. Sem essa reciprocidade - que pode, ela sim, assumir muitas formas - é peso, é dependência, é doença. E ânsia de libertação. Que é o oposto de amar.
Para mim, o amor que está mais próximo da incondicionalidade e do desapego - e que por isso para mim é sublime! - é a amizade. Quem mais nos diz olhos nos olhos o que não gostamos mas precisamos tanto de ouvir? Quem mais se preocupa mais com o nosso próprio rumo que com a possibilidade de nos perder? Quem mais parte e regressa, uma e outra vez, depois de um mal-entendido, de umas palavras mal medidas, de umas atitudes precipitadas? Quem mais nos encontra no meio da rua depois de meses ou anos de separação e conversa com a naturalidade da retoma das conversas nunca interrompidas? Quem mais, tendo vida para além de nós, nos escuta como se apenas nós existíssemos?
20160916
Os ingredientes de um bom amigo são fáceis de imaginar: amar muito, aceitar algumas coisas, vontade de mudar as mais graves, frontalidade, clareza e meiguice em doses generosas e convenientemente aplicadas, amar muito, amar muito amar muito. Não é fácil que tudo isto coexista numa pessoa só. É extremamente raro que essa pessoa nos conheça e ainda por cima goste de nós o suficiente para aplicar aquela ou outra fórmula qualquer que faça de nós pessoas melhores. Por isso um bom amigo (sem qualquer distinção de género ou idade) nos é tão precioso!
Conheço pessoas que fazem uma gestão racional dos amigos. Escolhem o que dizem, quando o dizem, reservam lugares e direitos, num cuidadoso e perspicaz jogo de luzes e sombras com o intuito de salvaguardar posições interiores. Eu, nestas como em todas as coisas importantes, sou um completo estouvado. Digo o que me vai na alma, falo de mais ou de menos, ajo incoerentemente, sem qualquer apetência para a avaliação cuidadosa das consequência dos meus atos ou palavras, genuina e ingenuamente confiante que um bom abraço sentido, um beijo na testa e um encontro do olhar é na esmagadora maioria das vezes a resposta mais eficaz para os problemas do mundo. Pelo menos comigo funciona. Particularmente quando cometo as minhas maiores camelices. Que são frequentes.
20160914
"Não faço isto por promessa. É apenas para limpar a cabeça. Enquanto caminho não penso em mais nada."
Tirando o amor que nos temos, eu e o meu irmão não temos muito em comum. Dez anos mais novo que eu, é de uma outra geração e ainda por cima apanhou uma dinâmica familiar muito diferente daquela que eu apanhei, com todas as coisas boas e menos boas que isso implica. Não nos vemos nem conversamos muitas vezes - à semelhança do que acontece também com os meus pais e a minha irmã - porque existimos em mundos diferentes, mas sabemos da importância que temos uns nos outros.
Desta vez o pretexto do encontro foi uma festa de aniversário e às tantas a conversa fluiu para as nossas peregrinações a pé: Fátima, a dele; Santiago, a minha. Apesar de ambos termos uma vivência cristã assídua e importante para as nossas vidas sabemos que "peregrinação" é um termo exagerado para o que fazemos. Caminhamos, sobretudo, para nos encontrarmos no caminho e se nesse encontro reencontramos e recentramos a nossa fé é mais por consequência que por causa. Nenhum de nós acredita num Deus que se compadece pela dor auto-infligida mas num Deus que nos habita e espera que Lhe demos espaço e oportunidade para fazer caminho em nós.
Não sei se será pela antecipação desse encontro profundo, mas existe em mim uma alegria interior quando estou de mochila às costas que dificilmente encontro noutra situação. O facto de apenas ter que me preocupar com que um pé suceda ao outro e deixar com isso que a cabeça, o coração e a alma e todo o meus ser se preencha com o que vai acontecendo dentro e fora de mim, faz com que aceite com toda a naturalidade as dores de pés, de articulações, de costas, de músculos - que nestas circunstâncias até nos são mais "visíveis" - como um suave preço a pagar por tamanho mergulho.
Porque o que conta. mesmo, são os quilómetros que fazemos em cada jornada. Dentro de nós.
20160913
Hoje andamos à volta do recomeçar.
As pessoas certinhas na vida e seguras nas convicções normalmente não precisam de recomeçar nada. Mesmo quando cometem erros encaram-nos com absoluta normalidade - eventualmente recriminando-se com severidade - e retomam o seu caminho com a mesma normalidade. Não entendem por isso a necessidade de recomeçar. Para elas, as regras são claras e distintas e quem falha deve ser naturalmente penalizado por isso - como elas próprias se autopenalizam por isso. Recomeçar implica um corte e esse corte não permite entender que se fez mal e não entender que se fez mal propicia um novo erro. Simples e eficaz.
As pessoas erradas na vida e sempre à procura de novas convicções precisam de recomeçar sempre. Para quem vive na procura, os erros são mais frequentes que as certezas encontradas e a auto-satisfação é sempre efémera. Todo o ponto de chegada rapidamente se torna novo ponto de partida e necessidade de... recomeçar. A frustração do erro é rapidamente substituída pelas possibilidades de futuro que fervilham e impulsionam para novo risco, novo arrojo e certeza de que agora é que é... até à próxima!
20160912
Não acredito em coincidências. Nem sei bem quantas vezes comecei com esta afirmação. Porque não acredito mesmo em coincidências. Acredito em pessoas e situações e momentos que Deus nos vai colocando no caminho deixando-nos a parte da resposta que queremos dar a essas pessoas, situações ou momentos.
Se há algo que tenho imensa dificuldade em discernir é o papel das pessoas na minha vida. O meu papel nas suas vidas já está despido de ilusões - salvo algumas raridades, chego, permaneço por curto espaço de tempo, e seguem à sua vidinha, como deve ser. Muito mais complexa é a sua presença cá por dentro, que teima em permanecer apesar do longe e da distância, a operar mudanças significativas na forma como vejo e vivo a vida. Não chegam de visita mas instalam-se, de armas e bagagens, no seu espaço próprio, nunca desocupado pelas memórias comuns.
Nunca consegui deixar ir. Por mais que possa ser a atitude certa, por mais que eventualmente magoe menos, por mais argumentos racionais que possa ter, deixar ir é tarefa impossível para mim. Acabo sempre por mascarar a ausência, fantasiar a presença, numa tentativa por vezes idiota de prolongar a presença, ainda que meramente ilusória, ainda que apenas cá por dentro.
20160911
Terminado mais um Santiago, inicia-se mais um ano. Aponto no meu calendário as minhas atividades já marcadas e assusto-me. Como sempre, vejo-o carregado de várias cores e antecipo um ano carregado de sem tempo, de correria, de dificuldade para a introspeção, meditação e oração. À semelhança no ano passado, e do ano anterior, empenhar-me-ei em conseguir um espaço apenas meu, um espaço de encontro comigo próprio, essencial para sopesar o que se passa dentro com o que se passa fora.
Essencial, meu caro Zé. Independentemente do que te possam dizer!
Essencial, meu caro Zé. Independentemente do que te possam dizer!
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Bambora
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