Um dos meus problemas é que me espanto com demasiada facilidade. Na internet, então, pareço um puto no Bazar Paris (nem sei se ainda existe) que arregala os olhos a cada momento com a quantidade e a qualidade de artigos, estudos, fotos, filmes, com maior ou menor profundidade, com maior ou menor sabedoria. No princípio, nem conseguia sequer separar o trigo do joio. Com os blogues, então - que demonstram a imensa qualidade de muitas pessoas que desconhecemos, principalmente quando as comparamos com muitas daqueles que vemos nas televisões - lia tudo o que apanhava, cortava e colava, coleccionava, acumulando textos que nunca teria tempo para ler na íntegra, repetindo aquilo que fizera toda a minha vida com livros e música. Desde que me lembro que tenho livros reservados para ler na velhice e música para ouvir num tempo que nunca chegará.

Apenas fui percebendo esta minha ânsia guardar coisas quando vi os miúdos das colónias a açambarcar a comida que nunca conseguirão comer. Apenas percebi esta vontade, quase indomável, de puxar tudo para mim, de guardar tudo, de açambarcar tudo, de encontrar como que uma garantia, uma segurança, em coisas que não me davam segurança nenhuma quando me revi, como se de um espelho se tratasse, naqueles putos traquinas, reguilas, que pedem uma borracha e um lápis mal chegam ao Centro ainda que saibam que não irão precisar deles, que olham para os iogurtes e as bolachas que estão a ser distribuídos temendo que não chegue para eles, ainda que nem sequer gostem dos seus sabores. É uma ânsia de ter, completamente desligada do usufruir.

Uma das coisas boas que Ramalde teve na minha vida foi que passei a entender-me melhor. E passaram a entender-me melhor, também. Porque estas coisas colam-se-nos à pele. Podemos controlá-las, podemos torneá-las, podemos - com sorte - até esquecê-las, fazer de conta que não existem, mas estão lá e saltam cá para fora quando menos se espera.

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