A ajuda humanitária é agir e testemunhar. É, em primeiro lugar, uma questão de homem a homem, de mulher a criança perdida, de jovem a velho isolado, de reformado a desempregado desesperado. De humano a humano...

Abbé Pierre, 1993

Foi uma das coisas que mais me chocou em Moçambique: "Sabe, Pai Zé? Aqui só vive bem quem pertence ao partido do governo ou a uma ONG. Os outros vivem do que sobra." Lembro-me que estávamos a vir do Hospital com o Miguel e, como sempre, conversava com o Teófilo, que me ia mantendo a par de como as coisas eram em Quelimane. 

No entanto, não precisava que ele mo tivesse dito. A ostentação das carrinhas com um qualquer símbolo de uma ONG na porta, a atitude vergonhosamente colonial de muitos dos funcionários das ONGs que se servem da população como se fossem carne para canhão, entrava-me pelos olhos dentro desde que lá chegara. Lembro-me da única vez que almoçamos fora, no Hakuna Matata, em Zalala, em que chegaram duas pickups de ONGs e os seus ocupantes, brancos, que viajavam dentro da carrinha, saíram e foram almoçar deixando os seus acompanhantes, pretos, que viajavam na caixa aberta, ao sol, à sua espera como se fossem animais de estimação. 

Foi também uma das mais duras e surpreendentes contestações: há muita gente que ganha muito dinheiro a fazer "voluntariado" por aqueles sítios. E se não fossem aqueles homens e mulheres que lá estão em missão, entregando-se ultrapassando os seus próprios limites, as coisas seriam ainda bem piores. 

Fazer as coisas tendo a pessoa como ponto de partida mas devidamente alicerçados pela fé tem disto: quando são mal feitas são muito mal feitas, mas quando são bem feitas, o bem que fazem é inultrapassável. É que não é uma questão de dinheiro, mas de entrega pessoal. Trata-se de servir e não de se servir. 

O que é facto é que desde que cheguei nunca mais consegui contribuir para uma ONG. 

Prefiro fazê-lo aos missionários.

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