20120626
Tudo seria incrivelmente mais fácil se não existissem despedidas.
Se pudéssemos viver sempre na presença
à mão de semear
pronta a colher
daqueles que, ao longo do percurso,
vamos permitindo que nos amem.
Tudo seria incrivelmente mais fácil se pudéssemos armar as tendas.
Isolados do resto do mundo,
viveríamos como se o mundo se esgotasse neste nós
que tão laboriosamente construímos,
mutualmente cheios de nós mesmos
alimentando-nos da imensidão que nos une.
Tudo seria incrivelmente mais fácil se ficássemos quietos,
no nosso canto
num terraço que tem um nome
num luar que tem um nome
numa capela que tem um nome
unidos por uma série de farrapos (cada um deles com um nome)
como se não existisse ontem nem amanhã.
Tudo seria incrivelmente mais fácil.
No entanto...
Se não estivéssemos sempre prontos a partir
se não estivéssemos sempre prontos a despedirmo-nos
se não estivéssemos sempre prontos a deixar que nos amem
se não estivéssemos sempre prontos a carregar as nossas tendas às costas
se não estivéssemos sempre prontos a alimentar-nos da imensidão
a abdicarmos do nosso canto
a partilharmos o nosso luar
a refazer a nossa capela com os farrapos de alguém
nem sequer saberíamos como é amar,
nem sequer saberíamos como são difíceis as despedidas
porque não saberíamos o que é amar
de tão entretidos que estávamos
no nosso pequeno mundo
20120625
Dizia ontem que pensava que, por volta desta idade, já me sentiria diferente. Mais adulto, mais maduro, mas aquilo que é suposto que um homem quase nos cinquenta e pai de 5 filhos seja - que. aliás, nunca percebi mito bem o que seria. Mas sempre esperei pelo click que me identificasse mais com aquele que todas as manhãs vejo do outro lado do espelho.
Pois sim! Ainda na véspera do S. João, enquanto ia, sozinho, a pé, da Ribeira para o Rosário, enquanto via e ouvia as pessoas que andavam de um lado para o outro, enquanto antecipava a festa que iria fazer com os meus daí a pouco, sentia-me pouco mais que um adolescente. Galgava os anos que me separam daquela noite (há já 27 anos!!!!) em que conheci a minha-mais-que-tudo e sentia ainda o frenesim que sentia sempre nesta longa noite quando corria todos os bailaricos da Ribeira até à Foz como se não houvesse amanhã. Poucas horas depois, já num desses bailaricos de bairro, em Miragaia, rodopiávamos os dois ao som de uma valsa miseravelmente tocada por uma banda abaixo de pimba, felicíssimos da vida. Era S. João!
Creio que, apesar de tudo, entre o lado sério e sombrio da vida e o lado sério mas festivo da vida, tenho conseguido escolher este último. Tive a sorte (a Graça de Deus) de ter as pessoas certas à minha volta que sempre me impediram de passar muito tempo a curtir mágoas e sempre me empurraram para o futuro. Quem, como eu, tem filhos, sabe que o futuro é o único caminho e que a fé e a confiança que tanto desejamos que eles encontrem têm em nós as suas raízes profundas.
Marcou-me muito uma frase que ouvi numa qualquer telenovela: "quem vive de passado é museu" (fica melhor com sotaque brasileiro). Não querendo esquecer o meu passado, vivo o presente de peito aberto e sempre apostei muito no futuro.
Até porque o Deus em quem acredito nunca quis saber de onde venho mas para onde quero ir.
20120621
Dizia eu, há uns dias atrás, numa daquelas minhas fases completamente desbocadas, típicas da minha descompressão, que na vida nada é muito sério. Que normalmente pensamos em demasia nas coisas, nas suas consequências, mas que, se tivermos fé, percebemos que nada de muito mau nos pode acontecer.
Foi (quase) sempre isto que senti ao longo da minha vida. Particularmente desde que descobri e decidi transpor para a minha vida a confiança num Pai que me ama. No entanto, também eu tenho um imenso historial de noites sem dormir porque a cabeça escolhe a pior das alturas para fazer prognósticos e estabelecer cenários possíveis de futuros impossíveis. Como se confiasse de dia e desconfiasse de noite. Como se confiar fosse mais uma decisão racional e não tanto uma adesão interior.
Acredito que ter fé é acreditar apesar de tudo. É confiar que, apesar de instintivamente tudo me empurrar para o outro lado, apesar de todas as evidências, todos os sinais de alarme, todos os conselhos pedidos e escutados a quem me ama, a derradeira decisão é minha e tomo-a depois de me escutar, depois de conversar comigo mesmo e com a minha imensa interioridade. Por isso, ter fé tem que partir de uma decisão minha, racional, voluntária, de me entregar ou então, pelo menos, de não me fechar ao que o amor pode fazer em mim. Tal como quando me apaixono por alguém, tenho que permitir que entrem na minha vida, que me revolvam as entranhas, dêem nova cor a uns dias e cubram de cinza outros. Mas nada disto é possível se eu não dou o primeiro passo de abertura, de vontade de me entregar (também por isso não acredito na inevitabilidade da infidelidade). Depois sim, deixo-me envolver, deixo-me mexer, deixo-me moldar, deixo que o Amor actue em mim sem comos nem porquês, acreditando que nenhum problema é demasiado sério, que nenhuma decisão é absolutamente definitiva porque tenho sempre alguém pronto para me dar a mão.
E acredito que essa confiança absoluta, quase irracional , é a Graça da fé.
20120613
Sou uma pessoa de palavras. Escritas, normalmente, que é a minha forma de expressão preferida, mas também proferidas ou cantadas. Adoro uma boa conversa, adoro uma boa prosa - com a poesia tenho uma relação mais difícil - adoro uma boa canção que consiga conjugar na perfeição melodia e letra. Calma e propensa à interioridade, de preferência.
Mas vivemos cada vez mais na e da imagem. E admiro profundamente a capacidade que alguns iluminados têm de, com meia dúzia de sarrabiscos, a partir de ideias simples, nos transmitirem discursos inteiros. Parece-me que são esses os que falam, verdadeiramente, a linguagem do nosso tempo.
Estas fotos despertaram imediatamente a minha atenção (e o "imediatamente" aqui é tudo menos inocente!) Exigindo não mais que um olhar, ainda que de relance, foi capaz de me interpelar a ponto de me transportar ao meu passado (os Pink Floyd foram uns dos meus companheiros de jornada), à importância fundamental do "outro", à ânsia que todos temos de, necessariamente imersos na multidão, podermos ser nós, ao direito a sermos de um azul puro e cristalino num imenso vermelho (esta foi clubística).
Bastou que alguém se tenha dado ao trabalho de dar um outro tom a um simples tijolo.
Creio que por vezes nos falta isso: darmo-nos ao trabalho, ainda que diminuto, de darmos um outro tom ao que nos rodeia.
20120610
Não acredito na culpa dos outros.
Não acredito em inocentes em causa própria.
Acredito em pessoas.
Acredito que somos responsáveis pelo que dizemos e pelo que escolhemos não dizer;
acredito que somos responsáveis pelo que fazemos e pelo que escolhemos não fazer,
acredito que somos responsáveis pelo que escondemos daqueles que amamos, daqueles que nos amam (principalmente daqueles que nos amam!) e até de nós próprios, quando já não reconhecemos aquele que vemos do outro lado do espelho.
Acredito que somos capazes de suster, por tempo indefinido, uma mentira, acreditando piamente nela, indiferentes às evidências, indiferentes à realidade, indiferentes à verdade, apenas porque não podemos mais.
Acredito que nos arranjamos sempre as melhores desculpas, as melhores justificações, os melhores e mais nobres motivos para as nossas falhas, para os nossos fracassos.
Mas acredito, sobretudo, que no final de cada dia, nem que seja por um segundo, nem que seja por distracção, nem que seja por cansaço, nem que seja por omissão, que todas as desculpas, todas as justificações, todos os nobres motivos, se revelam absolutamente inócuos face à inabalável, inalienável e imperdoável certeza da nossa própria responsabilidade.
É (também) por isso que acredito em pessoas.
Não é meu... mas gostava ;-)
Tens um GPS próprio para me procurares. Reconheces-me nos olhares, na forma como me aninho, nos sorrisos, não sempre iguais, não sempre igualmente intensos. Conheces-me descalça, fugida, desertora ao próprio tempo. Sabes-me em sofrimento, em lágrima escondida, em silêncio crónico. Ouves-me respirar, vives a tensão em que fervilho por vezes, rebentas em versos certos nas alturas erradas, sorris e sabes que estou nos meus dias.
Há um lugar que apenas nós conhecemos, descalços, mais eu do que tu, porque eu fugia e tinha vontade de sentir o chão fugir comigo. Tu não, nunca fugias. Sabias onde me procurar. Debaixo da lua, num tempo só nosso, no lugar que apenas nós conhecemos. Tal como o conhecemos. Desenhamos mapas, juntos, fazendo a única viagem que se permite a um homem fazer, ao cento de nós mesmos, deixando o risco no penhasco da defesa, criando a presença num vazio ainda não extinto, enredados numas mãos que não procuravam prender, mas desejar em liberdade. Foste querendo de mim, mais do que aquilo que queria ou conseguia. Pedindo os sentimentos à alma. Traçavas os mapas e eu temia que te perdesses. Em caminhos pouco acabados, naqueles que começava a percorrer. A medo. Com medo. Sabia-lo.
Fazes-me falta. No silêncio partilhado. Na cumplicidade em que só a amizade cabe. Na forma agora gravada em oco, cheio, vivo. Voltávamos, quase sempre, no dia seguinte. Curiosamente nunca me despedi daquele lugar. Fecho os olhos e estamos lá nós. Recordados. Abraçados. Na incerteza da única certeza de nos termos. De nos irmos conquistando. Nunca tivemos presenças mal nutridas um no outro, pelo menos assim o sinto, mesmo quando o banal tomava conta de nós. Sempre estivemos. Sempre. Para sempre. Nas memórias dos lugares que voam sobre nós. Nas memórias dos lugares que habitamos um no outro. Num lugar que só nós conhecemos. Aquele que, em certeza, está e estará, sempre, para sempre, em nós.
Talvez voltes ao terraço mais cedo do que eu, talvez te lembres de mim.
Fazes-me falta.
http://entrevirgulasdobradas.blogspot.pt/2012/06/tens-um-gps-proprio-para-me-procurares.html
20120608
De uma forma ou de outra, todos tememos a saudade. Sabemos que é bom sinal, sabemos que nos liga aos que amamos, sabemos que nos traz a recordação de momentos, conversas, partilhas que nos visitam regularmente. Mas no fundo ninguém gosta da saudade. Porque a saudade é a presença na ausência, é o mal menor, é o consolo possível face ao desejo do impossível. De boa vontade trocaríamos a presença naqueles que nos marcaram pela presença daqueles que nos marcaram.
Não há saudade sem sofrimento, sem um aperto no coração, sem o desejo quase insano, quase incontrolável, de repetir aquilo que sabemos que é irrepetível.
Já nos disseram muitas vezes que não devemos voltar aos lugares onde já fomos felizes.
Esqueceram foi de dizer que a saudade não tem a ver com lugares mas com as pessoas com quem estivemos nesses lugares, com quem ouvimos uma canção, com quem partilhamos um luar, com quem conversamos barbaridades absolutamente banais ou verdades absolutamente íntimas e profundas, absolutamente nossas.
E que ao longo da vida iremos sempre ter canções e luares e conversas banais e íntimas que nos farão viajar no tempo,que nos farão parecer absolutamente parvos aos olhos de quem não percebe aquele sorriso vindo do nada.
20120604
Os últimos dias foram ricos em celebrações: duas bodas de prata e uns votos perpétuos. Se os dois primeiros vão sendo mais ou menos comuns - o meu grupo de amigos está nesta fase, agora - nunca tinha ido a uns votos perpétuos. Dizia ontem, em tom de brincadeira (ou tanto ou quanto estúpida, mas enfim...) que ainda não tinha visto o noivo.
Durante a cerimónia, muito bonita e com a Sé de Coimbra quase cheia, questionava-me muitas vezes, em silêncio, o que levará hoje uma mulher bonita, inteligente e arejada a professar os votos perpétuos. Não lhe faltariam pretendentes se assim o desejasse, não faltaria emprego, tal é a sua capacidade de entrega, não lhe faltariam inúmeras possibilidades de felicidade no aconchego de um lar, na família que ela quisesse constituir.
Mesmo eu, que tenho fé, que estudo as coisas da fé, que ando sempre à procura das razões de acreditar, que todos os dias tenho a sorte de contactar com uma data de Irmãs que são verdadeiro testemunho de entrega aos outros - nem todas, é certo, mas a grande maioria é-o - tenho alguma dificuldade em entender. Tendo sempre a considerar que quem faz essa opção foge sempre de alguma coisa, esconde-se sempre de alguma coisa, quer sair de casa, fez qualquer asneira, um namoro que correu mal, uma qualquer rejeição... é estúpido, eu sei, mas é-me igualmente inevitável este tipo de considerações.
Mas felizmente a vida não permite que me fique por aqui. Pessoas como a Ir. Ana colocam-me no devido lugar com uma facilidade imensa. Recordam-me que a radicalidade da vida em Jesus é ainda possível, recordam-me esse encantamento total e absoluto que conduzem a uma entrega total e absoluta, quase anacrónica, mas tão importante.
A simples existência da Ir. Ana, a qualidade do seu contacto com toda a malta nova, a sua entrega incondicional, falam, ainda que sem palavras, muito mais de Jesus que qualquer discurso, que qualquer homilia, que qualquer curso de catequese. Nem precisaria de fazer nada. Nem precisaria de dizer nada. Bastava olhar para ela e deixarmo-nos interpelar pelo seu sorriso para darmos graças por um Deus se faz vida assim.
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