20110429
Não. Ainda não recuperei. Ainda estranho quando nos cruzamos nos corredores e não vejo nem sinto nada nas costas.
Levo sempre muito tempo a recuperar. Diria que se trata de um desmame difícil, se o termo não fosse tão feio. Mas de facto ainda sinto que nos vamos lendo nos olhares que se cruzam, ainda sentimos que, de alguma forma, estamos a continuar o caminho, que não queremos deixar de caminhar. Ainda achamos esquisito estarmos juntos num ambiente completamente diferente daquele que partilhamos, ainda nos debatemos com as palavras de circunstância, que nunca são suficientes para quem viveu o que juntos vivemos, para quem partilhou o que juntos partilhamos, para quem se superou como juntos nos superamos,
E a palavra chave aqui é mesmo esta: juntos. Porque juntos fomos mais, bastante mais que a soma das nossas individualidades. Assisti a muitos "estou de rastos" que miraculosamente se transformaram em "anda lá, que já falta pouco" perante alguém em dificuldade.
É disto que se trata quando falamos no Caminho: de união, de persistência e boa disposição mesmo quando os músculos doem, os ossos doem, as bolhas doem, as costas doem, e até o que vai dentro da mochila e deveria ter ficado em casa dói como o caraças...
De orações e eucaristias ao ar livre, de "buenos dias, senhores" a torto e a direito, de "cidade maravilhosa", de dezenas de carros a apitar quando nos vêm, de incentivo das pessoas por quem passávamos, exaustos, no final de cada dia...
De filas para rebentar bolhas, de conselhos sábios dos outros caminhantes, de reencontros com esses mesmos caminhantes, de massagens à borla, de ressonares perfeitamente desconhecidos - e, ao segundo dia, perfeitamente inócuos, tal era o cansaço - de espanto e respeito perante caminhantes que levam mais de 2000 kms nas pernas...
Mas também de algumas paisagens mesmo feias, de muitas paisagens mesmo lindas, de mãos dadas, de "dá cá que levo isso", de "quem ainda tem barritas?", de orgulho na chegada, de "conseguimos", dos nossos nomes em latim...
E de como nos sentimos melhores que nunca quando, juntos, acordamos às 5 da manhã para passarmos, juntos, as próximas sete ou oito horas a caminhar.
Juntos. Sempre juntos.
20110428
Sou um admirador de Mourinho. Extremamente confiante, extremamente dominador, extremamente senhor de si e das suas opiniões, habituado a existir contra tudo e contra todos, Mourinho é a perfeita antítese de tudo aquilo que eu sou. Também por isso o admiro.
Contudo, há uma coisa que me deixa sempre impressionado nestas pessoas que são cheias de si: a determinada altura perdem a noção do equilíbrio, da necessidade da presença dos outros na sua vida, e tornam-se arrogantes, convencidas, intratáveis, até. Tudo aquilo que eu detesto em alguém.
Na verdade, não tenho a certeza se ambas as coisas não terão que andar juntas: a confiança com a arrogância, o lutar contra tudo e contra todos com a inflexibilidade. Por vezes penso que são duas faces da mesma moeda, são como que gémeas siamesas, absolutamente inseparáveis e interdependentes.
O problema é que nestas alturas recordo com facilidade personalidades como Gandhi, a Madre Teresa ou Mandela - já para não falar em Jesus. Pessoas extremamente confiantes e dominadoras, com uma convicção inabalável, que escolheram viver não contra tudo e contra todos mas, pelo contrário, para todos. Pessoas que viveram em função dos seus ideais escolhendo contudo transformar por dentro, na profundidade, na intimidade de cada um. E que com isso transformaram verdadeiramente o mundo.
A questão é que quando comparo Mourinhos, Ronaldos e afins com estas personalidades - e outras, discretas, com quem tenho a sorte de conviver todos os dias - tenho sempre a sensação que me pareço cada vez mais com o D. Quixote (ok, talvez o Sancho Pança) a correr atrás de pretensos gigantes que, afinal, não passam de moinhos de vento.
20110427
Por vezes deixamo-nos viver no mundo das sombras, alimentamo-nos de pequenas ilusões confiando que dessa forma o nosso mundo é bem mais seguro e confortável. Face à dificuldade que sentimos em lidar com a incerteza que decorre da liberdade dos outros, apressamo-nos em catalogá-los, em etiquetá-los, em colocá-los nas respectivas prateleiras, de forma a tê-los convenientemente arrumadinhos.
Pura ilusão!
Se há coisa que tenho aprendido nestes últimos tempos é que os outros são sempre uma surpresa. Basta proporcionar-lhes determinadas situações, enquadrá-los com determinados desafios, ligá-los com as pessoas certas que, com maior ou menor dificuldade, a sua verdade vem ao de cima.
O curioso é que esta verdade é muitas vezes desconhecida para o próprio. Porque também nós nos etiquetamos, nos catalogamos e nos refugiamos nos nossos pequenos mundos e nos assustamos com o que poderíamos fazer, limitando-os ao seguro e confortável mas terrivelmente previsível... e pequeno, somos os primeiros a desconfiar das nossas capacidades, a encurtar os nossos limites, a acomodar-nos ao possível.
Ao longo deste ano tenho tido a imensa sorte de assistir a alguns destes (re)nascimentos. Em lugares tão díspares como Taizé, Ermesinde ou no Caminho. Em todos eles - também por causa deles - descubro-me a confiar ainda mais no futuro.
E nas pessoas que me rodeiam.
20110426
Descobri recentemente que por vezes o meu olhar é algo indiscreto. Que por vezes posso ser invasivo, que quebro armaduras laboriosamente construídas, muralhas edificadas, que supostamente serviriam para proteger o anonimato. Ou melhor, o isolamento, no qual alguns se refugiam.
Por vezes esta forma de olhar pode ser defeito. Noutras, estou certo, será virtude.
Não fomos concebidos para sermos pequenas ilhas ambulantes, entretidos a cuidar do nosso próprio ecossistema, indiferentes àqueles que por nós passam para saciar a sua sede. Não fomos criados e amados para desfrutarmos dos nossos dons, a nosso belo prazer, enquanto a vida se passa lá fora, se possível bem longe de nós. Preferi sempre acreditar mais em pontes que em muralhas, em caminhos que em muros, em partilhas que em defesas.
Claro que nem tudo são rosas. Demasiadas vezes falo demais, argumento demais, fico tão cheio da minha pretensa clarividência que a única coisa que consigo é magoar alguém. Nessas alturas arrependo-me, peço desculpa e prometo-me solenemente que não voltarei a fazer o mesmo.
Até à próxima vez.
Há, na vida, momentos assim: de descoberta de pessoas verdadeiramente grandes - ainda que não o saibam - de redescoberta de amizades profundas, que reservam um lugar privilegiado bem dentro de nós.
Há, na vida, momentos assim: marcantes, inolvidáveis, permanentes, porque apenas se deve permitir que o verdadeiramente bom permaneça.
Há, na vida, momentos assim: em que me sinto quase completo, quase correspondido nesta minha ânsia profunda de conseguir ser sempre mais.
Há, na vida, momentos assim: em que sinto que tudo vale verdadeiramente a pena: o esforço, o compromisso, o tremendo cansaço, a imensa saudade daqueles que são o meu tudo.
Há, na vida, momentos assim: de uma boa conversa quando menos se espera, de aprendizagem mútua, de crescimento mútuo, de partilha profunda.
Há, na vida, momentos assim: de oração viva e permanente, quase sempre silenciosa, de verdadeiro encontro comigo próprio e com Deus nos outros.
Há, na vida, momentos assim: em que me sinto verdadeiramente vivo.
Por permitires que na minha vida haja momentos assim, Te louvo, Pai.
Obrigado
20110418
Estou completamente de ressaca. Total e completamente ressacado!
Durante alguns dias andei inebriado de cansaço, de compromisso, de dores até. Dores de pés, de ombros, de músculos, no joelho...
Durante esses mesmos dias andei inebriado de gozo pelo que via, pelo que sentia, pelo que aprendia com aquelas lições sem palavras, que são as que verdadeiramente nos enchem por dentro.
Eu sei que começa a ser um lugar comum na minha vida - e isso é mau? -mas tenho a sorte de participar em actividades rodeado de pessoas fantásticas. São miúdos verdadeiramente espectaculares que têm a capacidade de me surpreender a cada momento. São companheiros de jornada, de sofrimento e de alegria.
A Peregrinação a Compostela levou-me a um patamar que eu ainda desconhecia na minha vida: aliar os limites físicos aos psicológicos, pensar e sentir que já não se pode mais e ainda assim ter que continuar, muitas vezes a ajudar outros, noutras a ser ajudado, é uma lição de humildade e companheirismo que me fazia falta. Apesar de nunca ter colocado a hipótese de ficar pelo caminho, tive algumas alturas em que a ajuda da Vanuza e do Nuno foi preciosíssima, levando-me a ultrapassar os limites que eu pensava serem os meus. Num dia era eu, noutro dia eram outros, e revezando-nos, complementando-nos, conseguimos todos nós chegar a bom porto, ou melhor, a bom Santiago.
Esta noite, já na minha cama, fechava os olhos e sentia-me ainda no Caminho, experimentava ainda aquela sensação esquisita porque é uma mistura de dor, de cansaço, de sofrimento mas também de muita alegria.
E tinha saudades. Muitas saudades.
Que, creio, irão ficar para sempre.
20110411
Quem me conhece sabe bem com eu gosto de descobrir coisas novas, simples, cheias de sensibilidade, e de como isso me faz bem. Ajudam-me a acreditar na vida, a ter a certeza que, apesar de tudo, vou acertando em algumas das minhas decisões. São como pedacinhos de vida que vão administrando à minha própria vida, dando-lhe mais sentido.
Normalmente essas vitaminas têm muito a ver com a família, com a fé, com a possibilidade do amor completo e total entre um homem e uma mulher. São coisas que não estão de acordo com modas e modinhas mas que existem desde sempre, porque desde sempre têm o condão de tornar as pessoas mais felizes, mais completas, mais próximas do céu.
Porque, apesar de tudo, não encontrei ainda ninguém que não desejasse, bem no seu interior, com todas as forças, ser amado tal como é, apesar do que é. O que encontro, isso sim, são pessoas que se conformaram com a aparente impossibilidade de isso acontecer. Porque não conseguiram esperar, porque desesperaram, porque não acreditaram suficientemente que mereciam ser amadas.
Alegro-me imenso sempre que a vida de alguém me prova que isso é mentira,
20110406
Continuo a pensar que um de nós está enganado. O nosso primeiro pensa que o nosso principal motivo de queixa é a situação económica do país. Não é. O meu, pelo menos, não é.
A economia está destruída, as finanças não existem, não temos dinheiro para mandar cantar um cego. Mas isso não é causa de coisa alguma, mas consequência. E é justamente disso que eu me queixo: do que originou isto tudo: falta de carácter.
Pois é, meu Primeiro. Estou cheio de jogadas de bastidores, de confusões, de espertices, de mentiras, de roubalheiras, de amiguismos, de incompetência, do tapar o sol com a peneira, de falsidades, de varridelas para debaixo do tapete, de me fazerem de burro, de desperdícios, de automóveis caros, de autoestradas vazias, de tgvs, aeroportos, de reformas miseráveis, de aumentos de ordenados para ganhar eleições, de jamés, de licenciaturas dominicais, de falsas habilitações para estatística ver, de intromissões na vida pessoal de cada um, de imoralidades, de atentados contra a fé das pessoas, de sacos azuis, de sacos rotos, de me saltarem para o bolso, de me roubarem o futuro, de mexerem na minha reforma, da apropriação do futuro dos meus filhos, e dos filhos deles, de corridas matinais para turista ver, de ser olhado de cima pelos europeus a sério, de mentiras, de mentiras, de mentiras, de mentiras.... para mim, chega. Para qualquer pessoa com dois dedos de testa e que não pretenda chegar ao poder, também chega. Vá para o raio que o parta.
Mas não vá só,por favor.
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