De todas as minhas facetas, aquela que me causa maior perplexidade e profundo incómodo é esta contradição que me habita. E que habito. Perplexidade porque tinha toda a esperança que, depois de uma vida atento às possibilidades de aprendizagem que todos os dias me trazem, chegasse por volta desta altura com maiores certezas. Bebo de todo o lado, não deito nada fora à partida, são escassas as certezas que tenho na minha vida, e, na minha imaginação, isso deveria funcionar como uma peneira, onde apenas o que é importante e certo e definitivo ficasse retido. Tolo! 

Desde 19 de fevereiro que começo os meus dias, ainda antes de a manhã e eu próprio acordarmos, na elíptica - paralítica, é o nome que se lhe dá cá em casa. Apesar da música alta, batida e convenientemente ritmada, me ecoar nos ouvidos, começo invariavelmente de olhos fechados, meio a dormir, deixando que corpo e pensamento despertem com os seus ritmos próprios, à vez. E deixo-me fluir. Hoje, ao fim de todo este tempo, percebi como isto é uma contradição. A música alta, o corpo a suar por quantas tem e, ao mesmo tempo, o pensamento sereno, longe, em constantes devaneios oratórios, filosóficos, preparatórios, avaliatórios, o que quer que seja que me venha à cabeça naquela altura. Pela janela aberta que tenho diante dos meus olhos, vejo a relva fresquinha, matinal, orvalhada, numa manhã belíssima que desponta. Fosse eu normal e estaria lá fora, sentado numa manta, de olhos fechados, a acolher o dia. Mas não. Sendo quem sou, sendo como sou, tinha mesmo que começar o dia nesta contradição. Que espelha os meus dias. Que espelha a minha vida.

Por isso me causa profundo incómodo. Não apenas porque eu próprio desejaria a constância da serenidade. Mas também porque para os outros sou este espelho de contradição e é-me dito muitas vezes - sobretudo por aqueles que me habitam mais profundamente - que não bate a cara com a careta. Que, invariavelmente, as expectativas que crio nos outros saem goradas. Que tanto sou motivo de êxtase como de profunda desilusão. 

Incomoda-me ser contradição. Aprendi já que nem tudo é desvantagem - nada nem ninguém é 100% bom nem 100% mau - que me permite ver outras coisas, sentir outras coisas, navegar por outras águas sem temer o mergulho ou a falta de ar. Permite-me sintonizar genuinamente com pessoas das mais diversas proveniências, das mais diversas idades, que habitam as mais diversas circunstâncias. Mas também sei o que temo. Muitas vezes.  Que, algures por entre mares mergulhados, me esqueça de vir à tona. Já aconteceu. Muitas vezes. Inúmeras vezes. Por isso preciso, sempre, que alguém me estenda a mão. Ate hoje, Graças a Deus, nunca faltou.

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