Iludo a distância que medeia o Porto e Cabo Verde com o WhatsApp. Uma das minhas filhas está lá a trabalhar, numa carreira internacional que a seduz, mas que agora lhe dá a conhecer um sabor que a desagrada. Há bem pouco tempo, depois de vir de Bruxelas, dizia-me que não se via a fazer o que eu e a mãe fazemos: a permanecer no mesmo local vários anos, com rotinas estabelecidas e vidas organizadas. Há momentos acabou por me dizer o contrário, que se calhar já não tem idade para andar a saltar e sente necessidade de alguma estabilidade. Mesmo descontando o facto de ter passado do centro da Europa civilizada para África - que conhecia, mas apenas como campo de missão - e do choque emocional que está a sentir num país onde tudo é diferente, eu entendo-a bem. Também eu estive em missão em África e, se intuía que não gostaria de África, vim com a certeza que detesto África. Curiosamente, não sei bem o que detesto, já que adorei as pessoas e a paisagem, das quais tenho imensas saudades. Mas não consegui lidar com o caos, com a falta de esgotos, com a confusão e o pó e o clima e aquela desorganização total que me levou a pensar, pela primeira vez, que pagar impostos é, afinal, uma coisa boa. Calculo que seja algo desse tipo o que a minha filha está a sentir. Sobretudo depois de um ano intensíssimo vivido em Bruxelas - a que ela chama o centro do mundo político europeu. Mas no fundo isso não importa para nada. O que importa é que ela é nossa filha e a nossa vontade é metermo-nos num avião e irmos lá nem que seja para lhe afagarmos a cabeça e dizermos que está tudo bem, que é normal, e recordar-lhe que ela tem sempre o seu lar para onde voltar. Claro que não lhe dizemos isso, que a empurramos para fora, e falamos do tempo péssimo em Portugal e como deve ser bom viver perto da praia naquele clima de Cabo Verde, e elogiamos a sua casa e as frutas que vemos em cima da mesa, e a forçamos, no fundo, a olhar para o lado A da sua vida. Não fácil. Nem para ela, nem para nós. Mas é o que tem que ser.

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