Uma das minhas necessidades básicas é o silêncio. Quando era muito miúdo, porque passava enormes quantidades de tempo sozinho, o silêncio era o meu habitat natural. Mais tarde, na adolescência, descoberto o valor dos outros na minha vida, o silêncio continuava a ser companhia quotidiana, sobretudo nas longuíssimas caminhadas casa-escola. No bairro só passava uma camioneta no início e final do dia e a escola ficava a três quilómetros de distância, e eu fazia esse percurso todos os dias, quase sempre sozinho. Quando comecei a trabalhar a sério, o gabinete ficava próximo da escola e como eu ia almoçar a casa, fazia doze quilómetros por dia a pé, quase sempre sozinho. E, mais tarde, quando conheci a Isabel e me foi permitido ir a casa dela, depois do jantar ainda ia e vinha a pé, mais dois quilómetros para cada lado, quase sempre sozinho. Não admira, por isso, que seja tão importante para mim caminhar, e tão natural ficar absorto nos meus pensamentos enquanto caminho. O que eu gostava era que esse recolhimento se mantivesse quando estou com outros. Sobretudo quando estou à vontade com outros. Como levanto as vigias sobre mim mesmo, tendo a dizer enormes disparates, a ser um bocadinho o joker lá do sítio, o que está nos antípodas do que me é mais confortável. Com o tempo aprendi que houve tempos em que provavelmente precisava disso - questões de falta de auto-estima - mas agora, quando isso acontece, fico ainda mais surpreendido comigo mesmo. E recordo-me do "por qué no te callas?" do rei Juan Carlos a Hugo Chávez. Muitas vezes faz-me falta um rei assim, para que possa ser mais dono do que calo que escravo do que digo.

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