Quem me conhece sabe que, no que toca a pessoas, eu não gosto de catalogações, de etiquetagens, que mais não fazem que limitar e fechar o que deve ser ilimitado aberto à vida. Provavelmente por habitar todos os dias em meios quase diametralmene opostos, apercebo-me com facilidade que, uma vez despidos os preconceitos, descascadas as camadas com que laboriosamente nos cobrimos e nos servem de proteção, não há muito de diferente nas pessoas, que na sua essência são mais parecidas umas com as outras que aquilo que gostariam de admitir. A mesma necessidade de amar e ser amado, de reconhecer e ser reconhecido, de pertencer e sentir-se digno de pertença, os mesmos medos, as mesmas fragilidades, as mesmas grandezas, diferindo, uns e outros, apenas em intensidades, como ramos que seguem caminhos diferentes mas permanecem dependentes da mesma árvore. E alimentados pela mesma raiz.

Daqui advém uma enorme dessacralização de cargos e títulos, e uma maior atenção a quem posso ter, realmente, diante de mim. Este desassombro, que me é natural - ao ponto de, em determinadas alturas, ter que me recordar para me por nos meus tamanquinhos - é propenso a dissabores, nos quais eu me enfio alegremente como pato na água.

O meu pai - com quem vou descobrindo que sou muito parecido - gosta de dizer às pessoas que as ama. Fá-lo várias vezes quando estamos em família - com o consequente gozo meio envergonhado dos netos e filhos - e fá-lo noutras ocasiões, sempre com extraordinária facilidade. Eu recordo-me de uma vez, há muitos anos, que o fiz em cima de um palco, ao microfone, a algumas dezenas de pessoas com quem tinha acabado de fazer - e orientar - um retiro. E recordo-me da verdade autêntica e intensa desse "amo-vos" porque me fizeram perceber que amar deveria ser algo único, especial e exclusivo.

Tenho uma dívida de gratidão com o Bento XVI por causa da sua Deus caritas est. Logo no princípio enumerou as várias formas de amar, e com isso me sossegou a alma. De certa forma caucionou que eros, philia e agape podiam e deviam coexistir numa só alma, num só corpo, numa só pessoa. Em mim. E de repente, aquele "amo-vos" dito num microfone não me parecia tão descabido assim.

Ontem foi. também, um dia desses. Em que o amor foi dito e feito sentir. Com alegria, com dor, com chegadas e partidas, com ganhos e perdas. Com recordações e acontecimentos, com palavras e gestos, com proximidades e distâncias. Etiquetar o que sinto, o que me fazem e faço sentir, parece-me muito estúpido. Limito-me a deixar que o amor flua. Me invada e me transborde. Qualquer que seja o nome que lhe queiram dar.
Sempre, sempre, com uma imensa gratidão!
E maior assombro!

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