Eu gosto da Quaresma. Gosto do deserto, do silêncio do olhar para dentro, do voltar a medir-me e a afinar-me pela Palavra, pelo que disse e fez Aquele que eu tento seguir. Gosto da possibilidade de recomeçar, do seu interesse genuíno em saber para onde quero ir, onde quero chegar, sem que para isso tenha que desfiar um rol de justificações que muitas vezes apenas soam bem e evitam perguntas incómodas. Gosto de me sentir mais um, incluído, amado, desmarcado, sem qualquer outro peso que não aquele por vezes tremendo que a própria consciência me impõe. Gosto da leveza, da profundidade, da escuta, da perscruta, do respirar fundo enquanto a vida me aquenta, e me ampara, e me desarma, e me entrega. Gosto de me reconhecer assim, pequeno, impuro, incapaz, e de me sentir reconhecido e amado assim, inteiro, apesar de pequeno, impuro, incapaz, sem qualquer fingimento, sem qualquer escondimento, sem qualquer medo, de corpo inteiro mas numa incompletude que me ultrapassa, sempre, e me deixa esfomeado, sempre, e me impele à busca, sempre. Gosto do provisório, do caminho, da procura, da novidade, ainda que sirva de desculpa para gostar do regresso, para apreciar o regresso, para me recolher no regresso.

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