Por vezes, não temos forma de escapar ao choque. Provavelmente, nem seria bom se o fizéssemos, porque a vida é também choque.

Entrou ontem pela sala dos professores dentro "só para desejar um bom dia e um bom ano". Por acaso eu estava lá. Por acaso estava ainda disponível para lhe sorrir e acolhê-lo. Por acaso conversáramos ambos havia pouco tempo porque de vez em quando nos cruzávamos na rua. "então a reforma?" e  "cumprimentos à Dra. Isabel" faziam sempre parte dos nossos breves momentos de conversa. Por acaso, ontem, ainda não estava ainda suficientemente mergulhado no trabalho para emitir um breve grunhido e cumprimentei-o efusivamente. Uma sucessão de meros acasos que, confesso, me serviram de parco consolo quando fui abalroado pela notícia da sua morte. Ontem mesmo. Pouco tempo depois de nos ter desejado bom ano. Efusivamente.

Tenho sempre vontade de escapar ao choque da morte. Seja de uma das imensas pessoas já com alguma vida vivida com quem me cruzo, seja de um dos imensos miúdos ainda com tudo para viver com quem me cruzo. Todos têm um olhar. O seu olhar. Único e irrepetível. Que se cruza com o meu.
Que se cruzava com o meu.
E já não voltará a cruzar.

Não quero escapar ao choque da morte. Ensina-me sempre a efemeridade da vida.

Comentários

Mensagens populares deste blogue