Há palavras ou expressões ou ditos que me perseguem desde que tenho consciência de mim. Um destes dias estava numa eucaristia e o sacerdote falava daqueles que, mesmo sem terem disso grande consciência, se servem dos outros como combustíveis para si próprios. A minha memória de elefante teletransportou-me imediatamente várias décadas, levando-me de volta a uma outra conversa. igualmente com um sacerdote, que me acusava sub-repticiamente de utilizar as pessoas como quem come laranjas: aproveitando o sumo, deitando fora a casca. Na altura eu era demasiado novo e a imagem do sacerdote tinha ainda um peso específico que me impedia de o contestar. Se um padre me dizia aquilo - apesar de não me conhecer de lado nenhum e saber mais tarde que estava a satisfazer encomendas - só podia ser verdade. E deixou marcas.
Esta hipótese assalta-me muitas vezes. Até porque a verdade é que eu me alimento das pessoas que me rodeiam: da sua sabedoria, da sua capacidade, da sua disponibilidade, do seu imenso que me falta e me faz falta. É nelas e com elas que me encontro, com alguma dor umas vezes, com muita facilidade outras, com imensa alegria sempre. Não conheço melhor forma de tentar crescer a não ser bebendo a vida a partir dos que me rodeiam. Nem sempre tenho a certeza de "desaparecer" da forma mais conveniente. Tendo a temer ser demasiado, quase sempre ilusoriamente, e ocasionalmente sinto a tentação de me esconder da responsabilidade de cuidar. Quando mo dizem e mo fazem sentir corrijo a rota mas isso não é bem aceite por todos. A minha única hipótese é ir tentando aprender sempre, continuar atento aos meus sinais e aos sinais dos que me rodeiam, medindo-me constantemente, recordando sempre a história das laranjas. E rezando para que não encontre nela motivos de verdade na minha vida.
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Bambora
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