Não se trocam almas como quem troca cromos. Não se vê o que me faz falta, troco este por aquele, isto por aquilo, e meto ao bolso, vou para casa, colo na caderneta para ficar mais bonitinha e fecho-a com a sensação que está mais completa. Aliás, é-me frequente perceber que é o oposto, o que acontece. Trocamos almas, tocamos almas, permitimos que nos toquem a alma, e quando permitimos que a vida nos afaste, sentimo-nos menos cheios, menos completos. Porque trocar almas não é trocar cromos. É ir perdendo, é ir deixando pedacinhos de nós próprios na imensidão dos outros. A vida é perda, como diz a Marta.

Mas não sei perder almas. Nunca o soube. Volta e meia ainda cedo à tentação de as tentar esquecer, de as varrer para debaixo do tapete, na vã tentativa de fazer de conta que nunca existiram, que nunca as trocamos, que nunca nos tocamos, mas depois acontece essa coisa chata de ter que dormir e ter que sonhar e recordar-me invariavelmente do que sonho e que recupera essa sensação que há algo que está debaixo do tapete e vou lá ver e lá estamos nós outra vez a tocar almas, a trocar almas, como se nada de permeio tivesse existido.

E não existiu mesmo. Porque o tempo das almas não é o tempo dos homens. Por isso às tantas, quando nos apercebemos, estamos a conversar como se não tivesse havido durante, como se tudo fosse aqui e agora, porque para quem se ama apenas o aqui e o agora constitui o tempo.

Hoje tenho uma alma no bolso. Não a irei colocar sob o tapete. Não o conseguiria, ainda que o quisesse. Conservá-la-ei, com todo o cuidado, com todo o mimo, até que o seu tempo coincida com o nosso tempo.

E aí poderei amar novamente.


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