Já foi há uma data de anos que vim de Moçambique. Mas parece que foi ontem. Quer pela proximidade, ainda que à distância, que sinto com quem lá esteve comigo, quer pelos suspiros de saudade sempre que vejo fotos, filmes ou documentários de África, parece que foi ontem. Porque foi marcante. Realmente marcante.

Um dia destes, quando discutíamos esta loucura dos migrantes, eu falava no que vira em Quelimane. Para nós, instalados, confortavelmente instalados, parece loucura que tantas pessoas corram tantos riscos para viver naquilo que de nos queixamos constantemente. Como podem elas ver o El Dorado num clima de austeridade, de desemprego, de precariedade? Como é possível que arrisquem tanto para depois viverem nas ruas ou em vãos de escada sem condições de dignidade nenhumas, com condições de vida piores que as da maioria dos nossos animais domésticos?

Retenho ainda, demasiadas vezes, as cabanas de alguns deles em Quelimane, os esgotos a céu aberto junto às fontes de água, as lutas por restos de comida entre cães e ratos do tamanho de cães. Recordo ainda, demasiadas vezes, a omnipresente cana de açúcar ao canto da boca para enganar o estômago e o olhar vazio de quem não come há três dias e o olhar de uma alegria indescritível de quem está perante um tacho de feijoada mal amanhada. Tenho ainda bem presente, demasiadas vezes, a total ausência de prespetiva de futuro, a péssima qualidade do ensino, o trabalhar apenas por comer, o ser-se - grato! - carne para canhão de chineses, indianos e ONG's. E recordo tudo isto demasiadas vezes porque esta realidade ainda está lá e estará lá por muitas gerações.

Não entendo a nossa dificuldade em aceitar os migrantes. Ordenadamente, claro, preparando a sua chegada, claro, abdicando de alguma da nossa comodidade e da nossa "segurança", claro, mas acolhendo aqueles que vêm à procura, não de uma vida melhor, mas de vida porque a única alternativa que têm é morte.

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