Todos os dias tenho alturas em que me divido entre o que sou e o que quero ser, ou sou chamado a ser, que para mim é o mesmo.
Fruto de todas as circunstâncias da minha vida, esta é uma batalha muito presente, muito sentida, muito vivida, e nada fácil. Tendencialmente, sou muito fechado, muito metido em mim mesmo, muito fechado no meu canto e o que mais quero é que me deixem em paz. Este meu lado de eremita, muito egoísta, é muito constante e persistente. Basta que eu esteja um pouco cansado ou chateado coma  vida para que baixe a guarda sobre mim próprio e ele toma conta da situação. Nestas alturas tudo em mim é mau, e não raras vezes os que me amam dizem-me que estou irreconhecível. Nessas alturas, alertado justamente por aqueles a quem não quero desiludir, apercebo-me do meu estado de espírito e entro em ação. E dou lugar a um outro eu, que escolhe sorrir e cantar e colocar-se à margem para que os outros possam ter espaço dentro de mim.
Nas minhas catequeses - formais ou informais - coloco muitas vezes a questão "quem sou eu quando ninguém olha para mim?". Como sempre acontece quando falo de Deus e da vida, o que digo vem de dentro, as questões que eu coloco são as que eu próprio me vou colocando nas diversas situações. Por isso, quando faço essas perguntas não as faço apenas aos jovens que tenho diante de mim: continuo a fazê-las, no meu recolhimento, a cada momento. E, pelas suas reações, pelo seu silêncio, pela sua participação, acredito que eles sentem-no, de alguma forma. Provavelmente, quando nos cruzamos nos corredores, pensam em mim como alguém que sabe o que quer, cuja construção está acabada, cuja única preocupação agora é a de manter o rumo. No entanto, quando desenvolvemos uma relação de maior proximidade, nas orações, nos dias de reflexão, nos projetos ou peregrinações, essa é uma ideia que eu tento desmontar. E partilho as minhas preocupações, as minhas inconstâncias, as minhas fragilidades. Por várias vezes, alguns adultos me disseram que preferiam que eu não o fizesse, que os jovens precisam de referências sólidas. E eu concordo. Também eu gostaria de ser uma referência sólida e absoluta. No entanto, quando o que eu tenho a partilhar é o que eu sou, com todas as minhas fragilidades e inconsequências, com todas as procuras e confianças, não me peçam para inventar histórias da carochinha. Como digo muitas vezes nos dias de reflexão, quando colocamos o que somos no altar não vale inventar, é o que somos, o que colocamos, não o que idealizamos ser. Esta autenticidade que eu procuro ter na vida, não pode ser outra junto ao altar. Pelo contrário, é junto do altar, confronto o que eu sou e o que sou chamado a ser, que encontro a força, a motivação e a coragem para me ultrapassar todos os dias. Se o consigo fazer, já é outra história.

Comentários

Mensagens populares deste blogue