É recorrente, em mim. Cíclico até, diria. Volta e meia apetece-me desaparecer, acizentar-me, passar despercebido, refugiar-me na minha insignificância para poder dizer, escrever, fazer, o que quiser, sem que ninguém disso me possa pedir responsabilidades. E isso, hoje, é muito fácil de fazer: abre-se um qualquer email, um qualquer blogue, e envia-se uma série de patacoadas sem deixar rasto. Nem sequer para mim próprio, que me esqueço poucos dias depois. Um pouco como a speaker's corner, em pleno Hyde Park, mas muito mais cobarde, porque ninguém sabe de onde vem aquilo tudo, mas também, em abono da verdade, muito mais insignificante, porque o que ali é escrito fica depositado algures nessa coisa inexistente que é o arquivo morto da internet.
Andava eu nestas andanças típicas de férias quando estalou aquela aberração de Paris. E todos vimos lá em casa, todos discutimos o que aconteceu, todos demos a nossa opinião e a nossa visão dos acontecimentos, nem sempre coincidentes, como acontece quando a discussão acontece entre pessoas inteligentes, mas nenhum de nós se escondeu no anonimato nem deixou de tentar defender aquilo em que acreditava. Houve discussão a sério entre uns que defendiam o primado da liberdade e os outros que aconselhavam o bom senso, ainda que movido a receio das consequências. Não importa. O que importa mesmo é que todos demos a cara numa altura em que eu estava armado aos cágados à procura de ser cinzento.
Ao fim destes anos todos eu até entendo que tenho cumprido bem a minha paternidade. Naturalmente, cometi montes de erros, fiz e disse barbaridades, mas em boa verdade, prefiro ter feito isso a dar ouvidos ao que ainda esta semana ouvi na rádio: "não perca a opinião do pedopsiquiatra x - devemos contar aos nossos filhos o que aconteceu em Paris? Como o fazer sem os traumatizar?" Eu fiz-me pai com os meus filhos. Fui dando sempre, às vezes em demasia, noutras em escassez, sempre com muitas incertezas, fui caminhando com eles, à medida das suas necessidades, tentando aplicar apenas o bom senso como forma de contrabalançar o facto de eles serem tudo para mim. Acho ridícula esta nova moda de termos que ter especialistas para tudo, que mais não fazem senão criar inseguranças tolas e fantasiosas, que seriam apenas ridículas se não tivessem consequências nos filhos e nos pais. E, como pai, aprendi sempre. Com os meus filhos. Tenho plena consciência que nos fizemos juntos, à medida que caminhávamos juntos, que nos descobríamos juntos, com as nossas discussões, as nossas batalhas, com as nossas cedências mútuas, silenciosas e tácitas.
Quando estávamos a discutir o que aconteceu em Paris, enquanto eles diziam que não eram Charlie, enquanto aprendíamos todos com os diferentes pontos de vista, percebi que era tempo de voltar a dar a cara.

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