Tenho andado a saborear, lentamente como convém com as coisas importantes, o Lumen Fidei, do Papa Francisco. Logo no início, uma curta frase que me chama a atenção: a fé nasce no encontro com o Deus vivo.

Nunca entendi muito bem aqueles que dizem que, com muita pena sua, não foram abençoados com o dom da fé. Provavelmente nunca a procuraram, ou melhor, nunca se disponibilizaram a não ser para que a pudessem ter.

Lembra-me o que aconteceu na minha primeira experiência de Taizé. Nos primeiros dias a cabeça não parava, andava constantemente às voltas, numa ensurdecedora gritaria que me frustrava qualquer tentativa de silêncio. Às tantas, cansado de tanta gritaria, rendi-me a mim mesmo e aceitei a imensidão de imagens e sons e problemas que me assaltavam mal me sentava naquele chão abençoado. Progressivamente, de forma muito lenta, fui-me apercebendo que se era eu, inteiro, com tudo o que sou, não podia não aceitar tudo o que me vinha à cabeça, não podia fazer uma espécie de interregno entre o que verdadeiramente sou, suspendendo temporariamente tudo o que me aflige só para aproveitar o silêncio. Progressivamente, de forma muito lenta, fui-me apercebendo que o que me era oferecido naquela altura não era ainda o tão desejado silêncio mas a oportunidade de o poder construir bem dentro de mim, e que para isso não adiantava tentar iludir a realidade, fazer de conta que eu estava de bem comigo e com a vida, mas que, pelo contrário, era o momento de me apresentar tal como era, sem fugas ou fingimentos, àquele que por mim esperava. Progressivamente, de forma muito lenta, fui-me apercebendo que, à medida que me ia esvaziando de mim, me ia dando a possibilidade de me encontrar, na mais completa interioridade, no silêncio que se torna fonte de sabedoria.

Creio que a fé é um dom. Mas já não acredito que seja apenas de alguns, que seja distribuída aleatoriamente por um deus que se diverte a confundir aqueles que ama. Acredito que o pecado originante (parafraseando o Frei Ventura) não tem nada a ver com a maçã mas com a ausência de resposta à primeira pergunta feita por Deus ao homem. Acredito, por outro lado, que nunca é fácil deixarmos que outro seja em nós, deixarmos que nos conduzam, ainda que por amor, deixarmos que outro assuma o controlo, ainda que por momentos, da nossa vida. Mas acredito que o único encontro que vale a pena é justamente esse: aquele que acontece por amor e se transforma em amor cá por dentro para que possa ser amor para os outros.

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