Lentamente, muito mais lentamente do que eu desejaria, vamos voltando a ter o nosso tempo.

Ainda na semana passada, numa das reuniões de um dos grupos de trabalho aos quais pertencemos, tive que recordar que, apesar de sermos casados, apesar de irmos e virmos juntos, apesar de ambos estarmos envolvidos em alguns projectos comuns, não somos um só. Para efeitos de trabalho, claro. Que as coisas não passam por osmose ou proximidade enquanto dormimos só porque nos amamos. Que o facto de se comunicar algo a um de nós não implica necessariamente que o outro o saiba. Até porque temos muito mais do que conversar, muito mais do que partilhar, muito mais do que construir e resolver, todos os dias, que não passa por trabalho. Volta e meia lá se misturam as duas coisas, mas confesso que isso não me agrada nada. Se, no que à vida diz respeito, fazemos por ter uma visão comum, no que ao trabalho diz respeito nem sempre queremos que assim seja. Nem sempre seria bom que assim fosse.

Em boa verdade, também não nos sobra muito tempo para discutirmos trabalho fora do trabalho. Apesar de os nosso filhos irem sendo cada vez mais autónomos, ainda temos todos demasiado gozo em partilhar uns com os outros aquilo que é verdadeiramente nosso para estarmos a meter estranhos lá pelo meio. As nossas horas de refeições são momentos de partilha do quotidiano e, curiosamente, nestas alturas sempre relevamos mais os sentimentos que os acontecimentos. O que nos interessa saber e discutir é o que fomos sentindo ao longo do dia, a forma como fomos lidando com as pequenas e grandes questões quotidianas, como fomos conseguindo, mais ou menos, ir superando desafios. No final, o que importa mesmo não é o que aconteceu com a pessoa a ou b, mas o que aconteceu connosco.

Agora, no entanto, acabadas as aulas, (quase) acabados os exames, abrandando o trabalho, já começa a cheirar a Afife. E Afife quer dizer um tempo só para nós, para as nossas loucuras, para as nossas brincadeiras e chatices e mornices e passeios e churrascos e piscinas e dolce fare niente, que nos é tão querido.
E vai sendo também o nosso tempo, um tempo a dois, feito de noites cada vez mais longas, de passeios à beira mar, de conversas cada vez mais nossas, recheadas de coisa nenhuma, que nos revigoram a paixão e aprofundam a identidade de onde brota o amor.

Comentários

Mensagens populares deste blogue