Há uns anos descobri que há em mim um lado de advogado do diabo que me passara despercebido. Numa qualquer discussão, quando as opiniões tendem todas para um lado desconfio sempre. E descubro-me a procurar razões para que as coisas não sejam bem assim. Muitas vezes acabo até por não conseguir deixar de apresentar essas razões, mesmo contrariando o que defendera momentos antes. Confuso? Claro que sim. Se para mim o é, imagino para os outros.

E sou assim em tudo!

Aqui há uns tempos, depois de mais um titulo, cometi a estupidez de dizer em voz alta que tinha saudades do Porto quando o Porto não ganhava nada. Éramos poucos os indefectíveis, orgulhosos por pertencer a um clube que sentia na pele e no campo o contra tudo e contra todos, que na altura nada tinha de artificial. Da mesma forma, sempre preferi as segundas cidades dos países e os clubes dessas cidades, que têm que lutar contra o natural poderio da capital. Mesmo a nível partidário, tenho sempre vontade de aderir formalmente ao meu partido de sempre quando vejo a meia dúzia de gatos pingados que aparecem depois de uma estrondosa derrota. Sinto sempre que é junto deles que gostaria de estar e não na palmadinha nas costas.

Talvez por causa desta minha estranha tendência, fez-me muita confusão ver ontem o Papa rodeado por tanta loucura! Pensei logo como estas coisas nunca são lineares, nunca possibilitam apenas uma leitura, que nada é, em si, completamente bom ou completamente mau. A loucura colectiva tem uma linha muito ténue que separa o que é do que deve ser. Por isso, faz-me muita confusão o endeusamento que começa a haver em torno do Papa Francisco. Imagino-me na pele dele e a claustrofobia que sentiria, a falta de espaço, a falta de serenidade, o desconforto de ser colocado num pedestal por milhões de pessoas. A ele, que tanto apela aos pés assentes na terra e que, paradoxalmente, se vê elevado justamente por defender os pés assentes na terra.

Há muito de irracional - e eu, com a idade, começo a fugir do irracional - nestas manifestações de fé, ou de fezada, que me lembram sempre, sempre, a forma como Jesus foi acolhido em Jerusalém. E desta vez nem sequer faltou o jumento, que, nestes nossos dias, corresponderá ao carro familiar que transportou o Papa Francisco.

Como sempre me acontece nestas manifestações de massas apanho-me a interrogar-me: Quantas destas gargantas que gritam hossanas ficariam junto à cruz?

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