pontes


Um dos meus maiores prazeres é observar. Pessoas. Lembro-me de, muito miúdo, ir para a Praça da República, ou para a Avenida dos Aliados, e entreter-me a ver as pessoas a correr, esbaforidas, ensanduichadas nos autocarros, em hora de ponta. Imaginava como seriam as suas casas, o que fariam quando chegassem a casa, as suas famílias, a sua solidão ou alegria. Ainda agora, quando estou no meio de muita gente, normalmente refugiado num qualquer canto, são coisas dessas que me passam pela cabeça.

Por isso, é-me extremamente gratificante ver a evolução dos miúdos nas colónias. Quando lá chegam, apesar de todo o trabalho em comum que acontece ao longo do ano, há vários grupos que se olham com alguma desconfiança. As conversas ou são tímidas ou aparvalhadas (que é uma outra forma de lidar com a timidez), os olhares são inquisidores, e há, sobretudo, uma enorme quantidade de eus. Nesse primeiro dia, normalmente lido com todos eles de forma um tanto ou quanto abrupta: preocupo-me mais com o estabelecimento e cumprimento das regras que com outra coisa, para que seja possível construir-se relação em cima de algo sólido. Diz-me a experiência que as colónias se ganham ou se perdem justamente nesse primeiro dia. O estabelecimento de regras comuns a todos, miúdos e monitores, permite que todos se sintam no mesmo barco e que, lentamente, vão deixando cair a imensidão que os separa e construam o que os irá unir. É fantástico poder observar este processo, como ao segundo dia já falam entre si normalmente, ao terceiro lidam uns com os outros como se não existisse "lá fora" e, quando chega a hora de partir, a despedida é penosa. Basta dar uma olhadela aos seus facebooks para ver como ficarão a recordar aquela experiência, curta mas intensa.

Numa das muitas conversas que fui tendo com uns e com outros, fui referindo a importância do que fazemos nas colónias. Não são apenas um tempo em que os miúdos dos bairros têm acesso ao que lhes falta noutras ocasiões: regras básicas de postura em comunidade, regras básicas de higiene, regras básicas como o pedir por favor, ou agradecer, ou poderem contar, com toda a certeza, com refeições seis vezes por dia. Tudo isso é importante mas é pouco. O que importa mesmo é a construção de pontes. É que uns e outros se apercebam que não há nada de decisivo que os separe, que se as circunstâncias de uns e outros fossem diferentes, os seus papéis poderiam ser invertidos com a maior das facilidades. É que uns percebam que há pessoas que estudam e conquistam e se dispõem a gostar de alguém aparentemente tão diferente; e que outros se apercebam que há mais mundo para além das férias e das discotecas e do bem estar em que vivem. É que ambos percebam que há mais mundo para além do mundo fechado em que vivem.

Contrariamente ao que muitos pensam, nas colónias não fazemos férias, construímos pontes. Não creio que haja melhor forma de construir uma outra realidade.

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