20111230
Nem todos os anos acontece, mas hoje dei comigo a fazer um balanço do ano que agora termina. E aconteceram muitas coisas, este ano. Regressei a Taizé (o meu paraíso na terra) depois de dois longos anos de interregno; fomos todos à Irlanda, numa daquelas viagens familiares que daqui a alguns anos se recordarão com enorme saudade; cumpri o sonho de ir a Santiago de Compostela a pé numa peregrinação memorável tanto pela experiência do encontro como pela excelente companhia; fui a Moçambique com (perdoem-me os outros) o melhor grupo de sempre, o que constituiu uma experiência de missão e de vida absolutamente irrepetível; e, last but not least, ganhei em definitivo uma nova filha com a vinda da Rita cá para casa.
Graças a Deus!
Todas estas viagens, todas estas experiências deixaram marcas. Profundas. De todas elas retenho fundamentalmente olhares e sorrisos e lágrimas e conversas e orações e silêncios e partilhas e cânticos e noites de luar e frio de rachar e calor de morrer e cheiros e alegria e saudades e vida e vida e vida... Tive conversas longas e profundas perante paisagens tão distintas como o norte da Europa e o sul de África, com pessoas tão diferentes quanto podem ser um dinamarquês que não voltarei a ver (em Taizé) ou um africano que não me sai da cabeça. Aprendi por isso muitíssimo ao longo deste ano. Principalmente que, qualquer que seja a nossa circunstância, na essência não somos assim tão diferentes uns dos outros.
E fiz amigos. E criei laços. E reforcei laços. E descobri pessoas, reencontrei outras, e redescobri-me e reencontrei-me noutras ainda. Chego ao fim deste ano com mais amigos daqueles que nem sempre temos o privilégio de conhecer, de conquistar. Daqueles a quem podemos ligar a meio da noite e sabemos que ficam felizes por estarem lá para nós, por poderem estar connosco, por nos poderem ajudar a crescer. Ganhei por isso mais motivos para me preparar para o encontro, como dizia o Principezinho.
Cativei e fui cativado, amei e fui amado.
Chego ao fim deste ano como gosto de chegar ao fim de cada dia: com a sensação que, feitas as contas, sou um pouco mais do que era quando me levantei. Assim, vale mesmo a pena!
Resta-me agradecer. Porque nada do que fiz teria o menor sentido se o tivesse feito sozinho. Porque nenhum dos lugares por onde passei seria mais que isso, meros lugares como tantos outros, se não estivesse agora recheado de olhares e sorrisos de pessoas absolutamente fantásticas.
Este já passou. Este foi, efetivamente, um ano diferente dos outros. Venha agora outro para que possamos contrariar as expectativas.
Deus seja louvado!
20111229
“No matter what anybody tells you, words and ideas can change the world.”
É o filme da minha vida. Sem dúvida. Não porque tenha uma história excecional, ou porque tenha atores excecionais. Apenas mudou a forma como me comecei a ver a mim próprio e, sobretudo, porque me disse como eu próprio poderia ser. Apercebi-me que poderia soltar amarras e que há um caminho para além do socialmente aceitável, que se pode ser respeitado como educador prescindindo das formalidades e da distância afetiva que muitos educadores acham essencial. O "respeitinho" é ainda muito bonito para muita gente.
Ontem fui com um dos meus filhos (o mais velho dos rapazes) ao Shopping. Enquanto andávamos lá vimos aquela que é uma das nossas melhores amigas. Tem a idade dele mas é uma das pessoas que mais admiro, que mais me ensina pela sua postura, pela sua doçura e pela sua tenacidade. Este ano fomos juntos a Moçambique e um mês de convivência diária apenas reforçou a admiração, que até sinto como mútua. Sei também que o meu filho a admira muito, que ela é uma das referências da sua vida. Cumprimentámo-nos mutuamente - com abraços, como faço com as pessoas de quem gosto - com toda a normalidade e seguimos as nossas vidas. No entanto, quando íamos para casa ela voltou à nossa conversa, E o meu filho, conservador como é, fez questão de, mais uma vez, me dizer que não entende a forma como eu me relaciono com algumas pessoas mais novas. Que eu deveria ter mais cuidado, que nunca tinha visto um professor da sua escola ter o tipo de relação que eu tenho com muitos alunos e que isso poderia ser mal entendido.
Sorri, claro. Este tipo de discussão não é novo na minha vida. Pelo contrário, desde que eu decidi prescindir desse tipo de barreiras que sou muitas vezes acusado de excessiva proximidade. Principalmente por aqueles que me são mais próximos, não sei se por preservação, se por preocupação. Provavelmente por uma mistura das duas.
A verdade, porém, é que, apesar de me porem sempre a ponderar se esta será mesmo a atitude mais correta, creio que já não conseguiria ser de outra forma. Em mais de vinte anos de contatos com malta nova nunca tive grandes problemas de mal entendidos de confiança - e quando tenho não deixo que se arrastem - sempre senti que os ganhos eram imensamente superiores às eventuais perdas e, mais que tudo, permitiu-me crescer com os outros, qualquer que seja a sua idade. Por vezes corro riscos, claro, e o mais sério é o de por vezes não fazer uma avaliação correta da pessoa que tenho diante de mim com todas as dificuldades que isso potencia, mas quando isso acontece tenho normalmente uma voz amiga que, qual grilo falante, me alerta e me permite aperceber do que me era despercebido.
Quanto ao que os outros pensam... Sei bem que não sou uma ilha, por isso escuto sempre muito atentamente os grilos que, graças a Deus, abundam na minha vida. E pondero sempre as suas opiniões.
Contudo, se desse sempre ouvidos aos que me rodeiam provavelmente ainda hoje estaria no Bairro.
20111222
Não cresci propriamente sem eira em beira. Ou sem raízes. Mas às vezes penso que não andei longe disso. Não tenho memória de alguma vez me terem sido pedidas responsabilidades quando era miúdo, de me terem dado na cabeça ou de ter cometido asneira da grossa. A imagem que me ficou desse tempo foi a de constantes mudanças até aos 9, 10 anos com a consequente necessidade adaptação - sempre dificultada pela gaguez - e, sobretudo, de uma enorme solidão. Quando olho para trás é fundamentalmente isso que consigo ver: uma enorme solidão. É curioso, porque não sou filho único - e adoro os meus irmãos, com quem sempre me dei às mil maravilhas - nem sequer sou pouco sociável. Tive muitos amigos - os "melhores amigos" da infância não foram muitos mas foram bons - brincava muito, tinha muitas aventuras daquelas de sair de casa de manhãzinha e apenas voltar para almoçar ou então à noitinha, num tempo em que as férias eram mesmo grandes, e sempre gostei de rir e brincar.
No entanto...
Ainda hoje, com uma família grande que adoro, em função da qual vivo e até respiro, passo por alguns momentos de enorme solidão. Posso até estar rodeado de amigos - e eu estou sempre rodeado de amigos - posso até estar em casa com o maralhal todo, mas volta e meia pinta um solidão incrível, inexplicável, ofensiva até, porque tenho tudo o que de fundamental a vida deve ter. Não acontece muitas vezes, nunca é por muito tempo, mas incomoda-me sempre. E acontece normalmente nestas alturas do Natal e da Páscoa, ou então em Agosto, talvez porque nestas alturas entro um bocado em descompressão e tenho tempo para pensar aquilo em que normalmente não tenho tempo para pensar.
Agora algo que não tem nada a ver: comecei este texto para referir a minha proverbial dificuldade em enviar Boas Festas ou Parabéns seja a quem for - atenuada agora pelo Facebook, que que uso quase só para isso - e acabei por ir numa direcção completamente diferente. Acontece-me quase sempre. Ainda bem. Detestaria ter que pensar a sério no que aqui vou escrevendo. Por isso relembro a quem me lê que nada disto é para ser levado a sério.
20111220
Não gosto. De nenhuma delas. Mas entendo-as. A ambas.
Não gosto porque não gosto que digam mal de quem é importante para mim. O que não quer dizer que pense que são perfeitos. Longe disso. Quer dizer apenas que amo apesar dos defeitos, apesar da imperfeição, e não é raro descobrir que amo justamente pela humanidade que a perfeição lhes traz. Porque sempre que conheço alguém ou alguma organização perfeita torço o nariz. E descubro sempre que a sua pseudo perfeição não passa de uma fachada muito bonita para ver mas sem conteúdo, sem sumo, sem vida. E a Igreja não é assim. Não é perfeita, não é fachada, não é sem vida. Mais: é uma Igreja que viveu os seus piores momentos quando se julgou perfeita e exigiu a perfeição aos seus como se uma Igreja viva não fosse uma Igreja incarnada na vida e na história dos homens. Imperfeitos.
Percebo que sejam justamente os que não acreditam na Igreja que lhe exijam a perfeição. Percebo melhor que essa exigência venha dos que não têm fé que daqueles que conhecem Jesus e O tornam o seu modelo de vida. Porque uns regem-se por ideais humanos, nós regemos-nos por uma Pessoa. Que ama. Ponto final.
Percebo por isso ambos os cartoons. Porque a pedofilia e a ostentação são duas nódoas da Igreja que, durante anos, teimamos em esconder ou fazer de conta que não existem. Porque ambas - embora com uma dimensão muito diferente na consciência comum dos cristãos - são uma imagem muito triste de quem tem por missão levar Jesus aos outros. Porque ambas dificultam que sejamos nós próprios caminho para os outros.
Apesar de tudo, apesar de as entender, não gosto. De nenhuma delas.
20111215
Não conheço melhor forma de avaliar a minha amizade, senão a das lágrimas e dos sorrisos. Nada do que acontece com aqueles de quem sou amigo me é indiferente, me passa ao lado, passa despercebido. Quando muito, olho para o outro lado, invento uma laracha que desvie as atenções, ou então faço-me de muito ocupado. Quando estas coisas não resultam, então, paro, olho nos olhos, acontece uma permissão mais tácita que formulada e preparo-me para o que aí vem. Às vezes é bom, às vezes é mau, noutras é pior ou melhor que isso. Quando as coisas são verdadeiramente boas ganho o dia como se fossem minhas, rejubilo, pincho e louvo a Deus. Quando são verdadeiramente más, sou de lágrima fácil e desavergonhada, não digo nada e louvo a Deus (Job ensinou-me muito no que toca a louvar a Deus).
Entendo perfeitamente que isto possa parecer estúpido para quem está de fora. Exasperei já muitas vezes com a minha Catarina que nas coisas más sai tanto ao pai que dói. Perguntei-lhe inúmeras vezes se ela não tinha vida própria, se precisava das alegrias ou das dores dos outros para viver, numa tentatíva tão sem sentido quanto inglória de tentar que ela seja exatamente como é. Talvez fosse para evitar que ela tenha dias como alguns dos meus dias, ensombrados pelas dores que, sendo de outros, não me são alheias. É estúpido, porque se tiver a sorte do pai terá também muitos mais dias ensolarados pelas suas alegrias.
Hoje o meu dia anoiteceu.
De repente.
Deus seja louvado!
20111209
Hoje a Pat respondeu afirmativamente. Eu não consigo.
Pelo menos ainda não.
Não tenho ainda claramente definido o que sinto em relação a Moçambique. Ainda ontem falava com uma amiga acerca disso e, conscientemente, não consigo dizer, de caras, que voltaria lá. Tenho, deste lado do mundo, demasiadas coisas que me mantêm agarrado ao quotidiano, demasiados projetos inacabados, demasiadas coisas a fazer, e, ainda e fundamentalmente, demasiadas pessoas que me provocaram enormes saudades e das quais não estou ainda preparado para me voltar a separar.
Sei, contudo, que a questão de fundo não é bem essa. A verdadeira questão é que não sinto necessidade de partir. Adoraria voltar a viver o que juntos vivemos, adoraria voltara a partilhar o que partilhamos e como partilhamos, adoraria voltar a rezar e a chorar e a rir e a brincar com a candura, a inocência e a abertura com que todos o fizemos. Se fosse para isso, certamente que o faria. Só que para que isso acontecesse precisaríamos estar no outro lado do mundo, longe dos nossos, e isso seria um preço demasiado alto para mim, que já vivi tempo suficiente para saber que na vida tudo é novo. Todos os dias. E que nada se repete.
Prefiro agarrar-me ao que tenho. Prefiro a memória daquele extraordinário mês, prefiro a memória daquelas casas, dos terraços, das noites, das longas conversas ao luar, prefiro a memória daqueles que, daqui e de lá, montaram tenda cá por dentro e volta e meia me vêm revisitar.
Eu gosto da saudade. Aquece-me a alma ;-)
Não sou particularmente diferente de ninguém. Também eu tenho uma zona reservada a olhares alheios, a julgamentos alheios, a opiniões alheias. Também eu tenho partes de mim que não gosto de revelar, de dar a conhecer, de colocar nas mãos dos outros. Não porque desconstrua qualquer imagem que possam ter de mim - já referi algures por aqui que essa é uma das coisas boas da idade: percebemos que não podemos agradar a todos e aprendemos a viver bem com isso - mas, principalmente, porque não quero incomodar niguém, pertubar ninguém, principalmente aquelas pessoas que me vão conhecendo melhor.
Porque acredito piamente na nossa possibilidade de recomeçarmos sempre, todos os dias - por vezes até várias vezes ao dia - é frequente transmitir sinais confusos aos outros: ora pensam que sou melhor, ora pior do que efetivamente sou. Preocupa-me de modo particular a primeira hipótese. Porque quando os outros têm de nós uma imagem negativa só podemos subir, agora, quando sucede o contrário, o único futuro é a decepção, e isso é terrível. Por isso, quando tento baixar as expectativas normalmente pensam que me estou a armar aos cágados, a brincar aos humildes, e não acreditam.
Da última vez que isso me aconteceu dei comigo a perguntar-me se não seria eu a ter uma imagem errada de mim próprio. Nada disso. Apertando-me nos momentos certos, tirando-me o tapete, levando-me para além do meu limite, não sou mesmo flor que se cheire. E o melhor a fazer, mesmo, é tentar resistir.
Até à próxima.
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