Também eu ando apreensivo com esta vaga de descobertas de idosos que morrem sozinhos em casa. Mas apesar da apreensão, nada disto cheira a novo. O que mais conheço são pessoas que, a partir dos setenta, ficam abandonadas à sua (má) sorte sob o pretexto de coisa nenhuma. Também eu, à minha volta, tenho pessoas que, mesmo vivendo com filhos ou netos, vivem mais sós que cães vadios. E, em boa verdade, também eu por vezes não faço nada para que eles se sintam de forma diferente.

A verdade é que a velhice não é uma coisa bonita, cativante, atractiva. Quando chegam a velhas, a maioria das pessoas liga o complicómetro, confunde tudo, mete os pés pelas mãos e dão muito mais trabalho que os bebés. Quem já viveu com avós ou tios de setentas para cima sabe que não é fácil. Exigem muita atenção, muito trabalho, muita paciência para ouvir as mesmas histórias e as mesmas resinguices vezes sem conta, dia após dia, quase sempre sem o mínimo agradecimento. Mesmo fisicamente, são absolutamente desgastantes, pesados, dificílimos de mudar, de vestir, de lavar, de alimentar...
Não é fácil, na verdade. Nada fácil.
Mas entendamo-nos.

Um dos sinais mais claros da decadência da nossa humanidade é justamente a forma como tratamos os mais velhos, como permitimos que eles se sintam a mais. Antes da nossa, não conheço cultura nenhuma que tenha desprezado a sua imensa sabedoria, que tenha desaproveitado os seus conhecimentos de vida vivida e não apenas figurada, que tenha impedido os seus filhos de absorver as histórias, as lições de vida, a imensa cultura que apenas um idoso consegue transmitir. Que tenha sido estúpida a ponto de preferir o conhecimento superficial da novidade permanente à sapiência profunda e verdadeiramente enriquecedora.

Não estamos perante um mas vários dramas. Ao verdadeiro drama da nossa desumanidade, do abandono - posso parecer cruel mas creio que para alguns deles, pela forma como se sentem abandonados, a morte será um alívio bem vindo - junta-se outro drama: o de hipotecarmos o futuro. Dentro de poucas gerações seremos cada vez mais iguais, cada vez mais formatados pela mesma cultura, cada vez mais pobres e estúpidos porque deixamos que os verdadeiramente sábios morram sós. Como cães vadios.

E, juntamente com eles, enterramos a nossa humanidade.

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