Esta semana vi o Discurso do Rei. Naturalmente, este filme diz-me um pouco mais que à pessoa comum: como o rei, também eu gaguejo, o que por vezes não é fácil.

Aliás, o filme começa de uma forma magistral, com aquele que é, para nós, o pior dos pesadelos: falar em público, com todas as atenções concentradas em nós, ainda para mais ao microfone - que amplia até ao infinito todos os nosso truques - numa situação em que não se pode falhar, é algo que eu não desejava nem ao Jorge Jesus se ele gaguejasse.

Para quem gagueja as coisas pioram consideravelmente quando começamos a dar demasiada importância ao que pensam os nossos interlocutores. Enquanto gaguejamos, porque as pessoas esperam pelas nossas palavras mais tempo que o normal - e porque temos olhinhos na cara - começamos a aperceber-nos das dificuldades que têm em escutar-nos, preocupamo-nos com isso, e gaguejamos ainda mais por causa disso. É um ciclo vicioso do qual não é fácil sair: quanto mais nos preocupamos mais gaguejamos e mais nos preocupamos ainda, o que aumenta a gaguez. Por isso, no discurso final do rei, aquele que motiva o filme, o Lionel dizia tantos palavrões, fazia tantas fitas: tudo era válido para que o rei esquecesse a solenidade do momento, a presença do microfone, e descontraísse.

Contrariamente ao que acontece quando somos nós o alvo em questão, gostei muito do Discurso do Rei. Desta vez retrataram um gago como uma pessoa aparentemente normal, casado e feliz, e não como um atrasado mental que se babava enquanto pegava fogo ao templo, como fez o Mishima no livro O Templo Dourado (do qual, confesso, li pouco porque ele baba-se logo no início). Não consigo entender bem porquê mas chateia-me um bocado quando, como acontece sempre em qualquer série barata de criminologia, a culpa já não é do mordomo mas do gago recalcado por ter sido maltratado na infância, ou por ser recusado pela rapariga que, apesar de parva se ria dele (se não fosse parva não se riria), ou porque não conseguiu lidar com a recusa do lugar de locutor de rádio, vá-se lá saber porquê, que este mundo é tão injusto.

Mas na realidade foi fácil identificar-me com o Bertie: afinal, também eu sou casado, também eu tenho filhos a quem li (necessariamente) longas histórias e também eu sou alto e charmoso.
Ainda não sou é rei.

Ainda...

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