20110228
O mar nunca foi meigo, para nós. Assemelha-se àquelas mulheres que quando por nós passam nos causam torcicolos: belas, mas tremendamente perigosas. É assim, o mar.
Este fim-de-semana foi dramático. Perderem-se assim, desta forma, dois miúdos, por causa de uma estupidez, é dramático, é de levar qualquer pai à loucura.
No último verão, em Afife, por pouco perdia naquele mar um sobrinho. Não foi necessário muito: foi com o meu filho com uma pranchinha, a ondulação estava forte, e às tantas ele passou para lá da zona de rebentação e já não conseguia voltar. Valeu-nos na altura o olhar atento e a enorme disponibilidade e competência dos nadadores salvadores que rapidamente o foram buscar. Não esteve por lá muito tempo, mas foi enorme o susto que provocou em todos nós.
É justamente isto o que assusta mais. é fácil, é demasiado fácil, descuidarmo-nos, facilitarmos, pensarmos que temos a situação controlada pois tudo indica que assim seja. e de repente...
Arrepio-me de pensar na dor daqueles pais.
20110225
Esta semana vi o Discurso do Rei. Naturalmente, este filme diz-me um pouco mais que à pessoa comum: como o rei, também eu gaguejo, o que por vezes não é fácil.
Aliás, o filme começa de uma forma magistral, com aquele que é, para nós, o pior dos pesadelos: falar em público, com todas as atenções concentradas em nós, ainda para mais ao microfone - que amplia até ao infinito todos os nosso truques - numa situação em que não se pode falhar, é algo que eu não desejava nem ao Jorge Jesus se ele gaguejasse.
Para quem gagueja as coisas pioram consideravelmente quando começamos a dar demasiada importância ao que pensam os nossos interlocutores. Enquanto gaguejamos, porque as pessoas esperam pelas nossas palavras mais tempo que o normal - e porque temos olhinhos na cara - começamos a aperceber-nos das dificuldades que têm em escutar-nos, preocupamo-nos com isso, e gaguejamos ainda mais por causa disso. É um ciclo vicioso do qual não é fácil sair: quanto mais nos preocupamos mais gaguejamos e mais nos preocupamos ainda, o que aumenta a gaguez. Por isso, no discurso final do rei, aquele que motiva o filme, o Lionel dizia tantos palavrões, fazia tantas fitas: tudo era válido para que o rei esquecesse a solenidade do momento, a presença do microfone, e descontraísse.
Contrariamente ao que acontece quando somos nós o alvo em questão, gostei muito do Discurso do Rei. Desta vez retrataram um gago como uma pessoa aparentemente normal, casado e feliz, e não como um atrasado mental que se babava enquanto pegava fogo ao templo, como fez o Mishima no livro O Templo Dourado (do qual, confesso, li pouco porque ele baba-se logo no início). Não consigo entender bem porquê mas chateia-me um bocado quando, como acontece sempre em qualquer série barata de criminologia, a culpa já não é do mordomo mas do gago recalcado por ter sido maltratado na infância, ou por ser recusado pela rapariga que, apesar de parva se ria dele (se não fosse parva não se riria), ou porque não conseguiu lidar com a recusa do lugar de locutor de rádio, vá-se lá saber porquê, que este mundo é tão injusto.
Mas na realidade foi fácil identificar-me com o Bertie: afinal, também eu sou casado, também eu tenho filhos a quem li (necessariamente) longas histórias e também eu sou alto e charmoso.
Ainda não sou é rei.
Ainda...
20110216
Há coisas que, quando reparo que também acontecem comigo, me deixam profundamente desiludido comigo próprio. Como o preconceito.
Ainda ontem coloquei aqui um post acerca da terceira idade. Hoje, como não poderia deixar de ser, li aqui: http://aeiou.expresso.pt/os-bons-sentimentos-e-o-que-interessa=f632362 um artigo incomensuravelmente melhor, mais arguto, mais esclarecido, mais consolidado. Mas que à partida tinha um problema, é do Daniel Oliveira, um conceituado homem de esquerda que, aliás, leio sempre que posso.
O meu problema é a hesitação em considerar este um artigo digno de citação. Leio uma vez, leio outra, à procura de falhas e disparidades de opinião que, como não podia deixar de ser, encontro com alguma facilidade. Porque isto é como as Finanças, ou a ASAE: quando queremos encontrar falhas nos outros é impossível não o conseguirmos. A questão é que, tivesse esse mesmo artigo um outro autor, que viesse de uma área de pensamento distinta, mais coincidente com a que penso ser minha, e eu não seria tão exigente na procura da suas conformidade. E isto é mau. Não considerar as coisas ou as pessoas pelo que elas são mas pela sua proveniência, não é bom. Não pode ser bom. Nunca.
Nos meus Dias de Reflexão, digo muitas vezes que uma das coisas que me cativam em Jesus é justamente Ele nunca querer saber de onde vêm as pessoas, o que fizeram até ali, as culpas que carregam. Quando Jesus as conhece, a Sua única preocupação é a da restauração da sua dignidade enquanto pessoas, é retirar-lhes as etiquetas que elas próprias se colocaram, é reabilitá-las aos olhos dos outros, qualquer que seja a sua proveniência. Fez isso com Madalena, com a Samaritana, com Zaqueu...
Ainda tenho muito que penar!
20110215
Também eu ando apreensivo com esta vaga de descobertas de idosos que morrem sozinhos em casa. Mas apesar da apreensão, nada disto cheira a novo. O que mais conheço são pessoas que, a partir dos setenta, ficam abandonadas à sua (má) sorte sob o pretexto de coisa nenhuma. Também eu, à minha volta, tenho pessoas que, mesmo vivendo com filhos ou netos, vivem mais sós que cães vadios. E, em boa verdade, também eu por vezes não faço nada para que eles se sintam de forma diferente.
A verdade é que a velhice não é uma coisa bonita, cativante, atractiva. Quando chegam a velhas, a maioria das pessoas liga o complicómetro, confunde tudo, mete os pés pelas mãos e dão muito mais trabalho que os bebés. Quem já viveu com avós ou tios de setentas para cima sabe que não é fácil. Exigem muita atenção, muito trabalho, muita paciência para ouvir as mesmas histórias e as mesmas resinguices vezes sem conta, dia após dia, quase sempre sem o mínimo agradecimento. Mesmo fisicamente, são absolutamente desgastantes, pesados, dificílimos de mudar, de vestir, de lavar, de alimentar...
Não é fácil, na verdade. Nada fácil.
Mas entendamo-nos.
Um dos sinais mais claros da decadência da nossa humanidade é justamente a forma como tratamos os mais velhos, como permitimos que eles se sintam a mais. Antes da nossa, não conheço cultura nenhuma que tenha desprezado a sua imensa sabedoria, que tenha desaproveitado os seus conhecimentos de vida vivida e não apenas figurada, que tenha impedido os seus filhos de absorver as histórias, as lições de vida, a imensa cultura que apenas um idoso consegue transmitir. Que tenha sido estúpida a ponto de preferir o conhecimento superficial da novidade permanente à sapiência profunda e verdadeiramente enriquecedora.
Não estamos perante um mas vários dramas. Ao verdadeiro drama da nossa desumanidade, do abandono - posso parecer cruel mas creio que para alguns deles, pela forma como se sentem abandonados, a morte será um alívio bem vindo - junta-se outro drama: o de hipotecarmos o futuro. Dentro de poucas gerações seremos cada vez mais iguais, cada vez mais formatados pela mesma cultura, cada vez mais pobres e estúpidos porque deixamos que os verdadeiramente sábios morram sós. Como cães vadios.
E, juntamente com eles, enterramos a nossa humanidade.
20110214
Biba
Já estou a ficar meio velhote, e o Dia dos Namorados não me diz absolutamente nada. Não porque entenda que não seja bom namorar. Apesar de estar casado há mais de vinte anos ainda faço a corte à minha-mais-que-tudo. E faço-o com prazer, não para cumprir calendário. Mas o Dia dos Namorados é uma operação de marketing que começou quando já éramos casados, e escapamos a esta loucura de marcar restaurantes, idas ao cinema e compras de perfumes à pressão.
Apesar de tudo, não acho necessariamente má a existência destes dias de alguma coisa. É sempre bom receber um carinho especial, passar parte da noite com quem nos enleva o coração, ter algum tempo para ser romântico no meio desta correria toda, para dizer a alguém o quanto se ama. Não pode ser mau ter a oportunidade de fazer alguém mais feliz porque se sente amado.
Qualquer que seja o dia.
Qualquer que seja a motivação económica.
Até
20110212
Hoje de manhã chateei-me com um dos meus filhos. Nada de mais: eu aqueço a cabeça, eles aquecem a cabeça, discutimos um bocado, mas depois passa rapidamente. Sabemos todos que fazemos demasiado parte uns dos outros para nos podermos dar ao luxo de ficarmos muito tempo chateados.
Por vezes ainda é para mim um bocado esquisito esta coisa de ser pai. Na realidade, esperava que por esta altura me sentisse já suficientemente maduro e seguro de mim para nunca ter dúvidas, para ter sempre a calma necessária, a palavra mais sábia, para poder ajudar como um pai deve ajudar.
Não sei como é que se passa com os outros pais, mas comigo as coisas não são bem assim. Tenho alturas em que a minha solução para os seus problemas e dificuldades é clarinha como água - normalmente é nas alturas em que eles não a querem conhecer. Tenho outras em que a procura da melhor solução, do melhor conselho, anda cá por dentro dias a fio, e mesmo assim... nada! Limito-me a tactear com eles, a ficar atento para melhor lhes poder amparar a queda.
É curioso como os filhos nos deixam permanentemente na corda bamba.
Já dizia o outro que ter filhos é ter permanentemente o coração fora de nós.
Como tinha razão!!!
20110211
Biba
Nesta altura, por essa net fora (um novo continente, como diz Carlos Magno), não faltam pulos de alegria.
Vamos a ver. Eu prefiro esperar.
Claro que a queda de um ditador é sempre uma boa notícia. A questão não é essa, é o que vem a seguir. No Ocidente sabemos todos que dois e dois não são cinco, mas há uma parte importante do mundo que não quer saber que quatro é a resposta certa e que prefere impor um qualquer outro resultado. E que impede que outros o contestem.
Foi justamente isso o que aconteceu há alguns anos (parece uma eternidade!) no Irão. Também aí se acabou com o ditador Reza Pahlavi com hinos de alegria, também aí começou por estar um moderado e também aí este foi rapidamente substituído pelo Aiatolá Khomeini, e foi o que se viu.
Abundam as notícias internacionais acerca do papel da Irmandade Muçulmana teve na queda de Hosni Mubarak. Talvez Nicholas Kristof (aqui: http://www.ionline.pt/conteudo/103766-a-irmandade-muculmana-e-inimiga-da-paz-tambem-o-partido-republicano) esteja certo e eu errado. Talvez este seja um processo que apenas possa desembocar na democracia.
Eu espero que sim.
E vou rezar para que isso aconteça.
Inté
Porque sim
Biba
Perdi já a conta ao número de vezes que iniciei um blogue.
Perdi já a conta à quantidade de promessas que fiz: que desta vez é que era, que agora é para sempre.
Perdi já a inocência que tinha a esse respeito: afinal é demasiado fácil recomeçar o que quer que seja por estes lados. Sem recriminações, sem passados, sem ânsias de futuros. Quem gostar, muito bem. Quem não gostar, que deixe na beira do prato. Adiante, que se faz tarde.
É que isto não pretende ser um testemunho, nem um contributo para a humanidade, nem o início ou continuação de coisa nenhuma. Isto existe apenas por um motivo: não perdi ainda a necessidade de transformar o que sinto e vejo em caracteres.
Se alguma vez aqui prometer algo que vá para além disto, esperem sentados, não acreditem. Asseguro-vos que não passará que um processo de intenções que, como tudo aquilo que não é verdadeiramente importante na minha vida, rapidamente perderá o brilho.
Inté
PS: Como sempre, conto com um dos meus vícios diários: as fotos do olhares. Serão, quase sempre, o verdadeiro motivo para aqui vir.
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