Passamos, hoje, como passamos todos os dias, perto da janela das minhas primeiras memórias. Trovejava, o que tornou a memória de hoje ainda mais presente. Revejo-me, pequenito, em cima de um banco, com a minha irmã, a olhar para o - naquela altura ainda vasto, porque sem prédios - horizonte, deliciado com os raios que caíam sobre as montanhas. Imediatamente repesquei uma outra memória, uns anos depois, da praia de Salgueiros, onde estávamos acampados. Começou uma daquelas trovoadas repentinas de verão e eu corri para a praia, justamente na altura em que todos os outros corriam em sentido contrário. Que me lembre foi a primeira vez que percebi claramente que eu fazia coisas que mais ninguém fazia. Debaixo daquela chuva torrencial e maravilhado com a trovoada que caía sobre o mar, em plena praia deserta, descobri o puro prazer, que ainda hoje se mantém, de caminhar na praia sob as nuvens escuras e carregadas de chuva. O prazer do som do mar revolto, do vento a assobiar nas orelhas, da chuva fria que toma conta do corpo sem pedir licença porque a sabe tacitamente concedida.E de estar aparentemente, apenas aparentemente, sozinho. Porque, na verdade, a imensidão do mar é diminuta perante o imenso que me habita.

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