Hoje ando a trautear pelos corredores. Aqueles com quem me cruzo olham-me como se eu fosse verde e tivesse antenas. Uns - os que me conhecem melhor - sorriem; outros, surpreendidos, não conseguem ou não querem esconder a estranheza. É um dos imensos privilégios da idade: já não ligo.

Adoro acordar assim, com o coração fora do peito. Talvez seja uma reação ao dia que sei que me espera, que se adiciona à semana que já tive e à que ainda vou ter. É como se me revestisse de ânimo, se me preparasse para o embate, se me negasse o direito a reclamar. Na realidade, vivo aquela que é, certamente, uma das melhores fases da minha vida, e não o valorizar é, para além de ingrato, profundamente estúpido.

No já longínquo nono ano tive um professor de história muito peculiar. Andava sempre vestido à inglês, de pisco, óculos redondos, e ensinava história de uma forma muito física. Escondia-se atrás da secretária para exemplificar as trincheiras, dividia a sala - carteiras e tudo - para explicar as dinâmicas da Segunda Guerra Mundial, explicava a Crise dos Anos 20 com o nosso próprio dinheiro. Eu adorava-o! A determinada altura disse que todos os movimentos históricos tinham dois níveis: o circunstancial e o de fundo. E que, apesar de vivermos nas circunstâncias, é ao movimento de fundo que devemos estar mais atentos. Sobretudo na história de vida de cada um.

A oração de hoje abordava o valor do testemunho. Sobretudo em alturas de maior dificuldade. Aqui, estamos em pleno pico de trabalho, e isso nota-se pela imensa quantidade de olhos ressacados de sono e narizes mal humorados enfiados nos papéis. É justamente nestas alturas que me descubro instintivamente em contramão: trauteando nos corredores, recordando como, para além das circunstâncias, sou feliz.

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