20191129


Tenho um enorme respeito pelas dúvidas de fé. A necessidade de encontrar razões para acreditar vem das entranhas e quase sempre com algum sofrimento à mistura. Mesmo que a vida não tenha ainda proporcionado ainda as desilusões que põem tudo em causa, quem quer pautar a sua vida - e a sua fé - com alguma racionalidade sente na pele uma luta que é tremendamente difícil, controversa, e permanentemente sobre o arame. ão devem, por isso, ser votados ao abandono.

Há pouco tempo, numa daquelas conversas em que as ideias saem sem grande reflexão, que, apesar de preferir ter mais certezas que dúvidas, tendo a gostar mais de pessoas com dúvidas que cheias de certezas. Enquanto as dúvidas são sempre ponto de partida, as certezas são ponto de chegada. Uma vez chegados lá não saímos do sítio, não avançamos nem recuamos mas ficamos entricheirados, confortavelmente entricheirados, enquanto a vida corre fora do nosso alcance.

No que toca a Deus, então jamais podemos ter certezas. Quando apontamos para uma cadeira e dizemos que é uma cadeira, a nossa liberdade é nenhuma: é, evidentemente, uma cadeira, ponto final. No entanto, quando falamos de Deus não temos nada físico diante do olhar, por isso, a determinada altura, não podemos afirmar peremptoriamente que Ele existe ou não existe, apenas podemos dar um salto de fé, num ou noutro sentido. E qualquer ato de fé, até porque é também uma escolha a partir de uma dúvida, é passível de discussão.

20191128


Também somos feitos de outros. E por vezes, outros que apenas lemos, vemos ou ouvimos intermediados pelas tecnologias - sim, um  livro é uma tecnologia, e poderosa!. E, quando temos sorte, por pessoas que à partida nada têm a ver com as nossas escolhas mas nos surpreendem com uma forma de estar sábia.

Há uns (bastantes) anos, tive uma muito interessante discussão num qualquer fórum cibernético com o Miguel Relvas, a propósito não sei bem de quê. A determinada altura disse-lhe que não concordava com o que ele defendia mas que admirava a sua coerência. E ele disse-me para ter cuidado com a coerência que, quando excessiva, permitiu as maiores barbaridades da história. Coerência é importante, mas não devemos tirar os olhos do que é melhor, e mudar, se necessário. Nunca mais o esqueci, ao ponto de o transportar para a minha vida, e de o aconselhar a quem me quer ouvir.

Pensei hoje nisto enquanto ensaiava uns miúdos do 12º ano. Como os conheço particularmente bem, via em alguns deles a vontade de cantar, e de se divertirem juntos partilhando aquele momento, mas que não o fizeram por uma questão de coerência. Sei que, no seu processo de procura e de afirmação, acham que já deitaram Deus fora não percebendo que a sua questão é com a religião e não com Deus, que isto de definir o Seu posicionamento na própria vida dá muito trabalho. No final não me contive e disse-lhes que os tinha visto e que deitar fora oportunidades, ainda que simples e pequenas - particularmente simples e pequenas - de serem felizes é burrice, não é personalidade. 

Às vezes somos estúpidos ao ponto de deitarmos fora oportunidades de sermos felizes. A coerência - que é importante, mas é sobretudo para os outros saberem com o que podem contar - é um meio, não é um fim em si. Claro que não vivemos sozinhos e as expectativas que geramos são legítimas e temos que as levar em conta. Mas quando passamos a viver em função delas e não as enquadramos no todo que é a nossa vida, estamos mais longe da verdadeira felicidade.

20191127



Hoje ando a trautear pelos corredores. Aqueles com quem me cruzo olham-me como se eu fosse verde e tivesse antenas. Uns - os que me conhecem melhor - sorriem; outros, surpreendidos, não conseguem ou não querem esconder a estranheza. É um dos imensos privilégios da idade: já não ligo.

Adoro acordar assim, com o coração fora do peito. Talvez seja uma reação ao dia que sei que me espera, que se adiciona à semana que já tive e à que ainda vou ter. É como se me revestisse de ânimo, se me preparasse para o embate, se me negasse o direito a reclamar. Na realidade, vivo aquela que é, certamente, uma das melhores fases da minha vida, e não o valorizar é, para além de ingrato, profundamente estúpido.

No já longínquo nono ano tive um professor de história muito peculiar. Andava sempre vestido à inglês, de pisco, óculos redondos, e ensinava história de uma forma muito física. Escondia-se atrás da secretária para exemplificar as trincheiras, dividia a sala - carteiras e tudo - para explicar as dinâmicas da Segunda Guerra Mundial, explicava a Crise dos Anos 20 com o nosso próprio dinheiro. Eu adorava-o! A determinada altura disse que todos os movimentos históricos tinham dois níveis: o circunstancial e o de fundo. E que, apesar de vivermos nas circunstâncias, é ao movimento de fundo que devemos estar mais atentos. Sobretudo na história de vida de cada um.

A oração de hoje abordava o valor do testemunho. Sobretudo em alturas de maior dificuldade. Aqui, estamos em pleno pico de trabalho, e isso nota-se pela imensa quantidade de olhos ressacados de sono e narizes mal humorados enfiados nos papéis. É justamente nestas alturas que me descubro instintivamente em contramão: trauteando nos corredores, recordando como, para além das circunstâncias, sou feliz.

20191121



Procuramos sempre o que mais falta nos faz. 

Eu, que vivo mergulhado no "para ontem", detesto viver na sofreguidão. Procuro a calma, a ponderação, o tempo, o ecossistema que torna possível a Ecologia da Escuta (aprendi este conceito recentemente) e me proporcione serenidade. 

Tudo isto me é contra-natura. 

Eu empolgo-me com extraordinária facilidade no que há para fazer. Ainda estamos em equipa a pensar nas coisas e a minha cabeça é já um turbilhão de ideias e projetos e dinâmicas e formas de fazer acontecer aquilo que apenas mal se aflorou. Fico feliz quando olho para o calendário e vejo que consigo encaixar esta ou aquela atividade, ainda que à custa do meu tempo pessoal. E depois, a partir daquele momento, as coisas armam tenda na minha cabeça e acampam, e acredito que devem ter fogueiras e isso tudo, porque me impedem de adormecer ou me acordam a meio da noite, por vezes com soluções para o que me preocupava. E depois, quando chega a altura de fazer, fazer mesmo - o que acontece a partir do minuto em que outra coisa fica feita - essas ideias levantam tenda e arregaçam as mangas e lá vamos nós para a acção. E lá ando eu, a reboque do meu próprio entusiasmo, atrás das minhas próprias ideias, à custa do meu próprio cansaço. 

E depois, paro. E expiro. E escuto. E organizo. E inspiro.

E agradeço a minha vida!

20191120


Uma das minhas mais fortes convicções de fé é que Deus nos fala. De muitas maneiras, em muitas ocasiões, através de muitas pessoas, do que vemos, ouvimos e lemos. 

Vínhamos, como temos vindo nestes últimos tempos, a rezar juntos a oração do Passo a Rezar, um excelente hábito que nos foca, nos situa e desafia no início de cada dia. Hoje era sobre a fidelidade, explicando que é a relação que temos com alguém e que marca a nossa vida, mesmo na sua ausência.

Rapidamente me remeti ao início deste ano, quando lançamos a semente à terra na Costa Nova. A minha palavra foi justamente fidelidade, e, enquanto semeava, disse em voz alta: fidelidade a mim, fidelidade aos meus, fidelidade à fé. E hoje voltei ao que escrevi na altura: fidelidade a mim e às minhas convicções, à minha história, às minhas escolhas, à minha personalidade, à minha forma de ser e de ver e estar no mundo; fidelidade a nós, à nossa história de vida, à educação que escolhemos dar aos nossos filhos, ao nosso amor, às nossas batalhas, às inúmeras vezes que nos superamos por amor; fidelidade a Deus, a Jesus Cristo, à Igreja, aos seus ensinamentos que pautam a nossa vida, às suas possibilidades, à sua forma de ser e de ensinar a ser.

E hoje, e todos os dias, pedi a Deus que me ajude a ser digno de ser amado!

20191114


Passamos, hoje, como passamos todos os dias, perto da janela das minhas primeiras memórias. Trovejava, o que tornou a memória de hoje ainda mais presente. Revejo-me, pequenito, em cima de um banco, com a minha irmã, a olhar para o - naquela altura ainda vasto, porque sem prédios - horizonte, deliciado com os raios que caíam sobre as montanhas. Imediatamente repesquei uma outra memória, uns anos depois, da praia de Salgueiros, onde estávamos acampados. Começou uma daquelas trovoadas repentinas de verão e eu corri para a praia, justamente na altura em que todos os outros corriam em sentido contrário. Que me lembre foi a primeira vez que percebi claramente que eu fazia coisas que mais ninguém fazia. Debaixo daquela chuva torrencial e maravilhado com a trovoada que caía sobre o mar, em plena praia deserta, descobri o puro prazer, que ainda hoje se mantém, de caminhar na praia sob as nuvens escuras e carregadas de chuva. O prazer do som do mar revolto, do vento a assobiar nas orelhas, da chuva fria que toma conta do corpo sem pedir licença porque a sabe tacitamente concedida.E de estar aparentemente, apenas aparentemente, sozinho. Porque, na verdade, a imensidão do mar é diminuta perante o imenso que me habita.

20191113






Tenho começado por escrever. Um verbo. Dois, no máximo. Antecipo as atitudes que precisarei de ter para que o meu dia seja Dia. Preparo-me para o embate do que aí vem, para a organização do tempo, para aquilo que não conto, para o que é para ontem e esqueceram ou esqueci. Tento estar todo, inteiro, em cada momento. Tento ser todo, inteiro, antes da tomada de cada decisão, de cada escolha, de cada resolução. Depois tento viver, usufruir, aproveitar, e para isso preciso de me sentir preparado. São breves minutos, escassos num dia de trabalho, mas fundamentais. Para que, no final do dia, possa olhar para trás e sentir que valeu a pena.

20191106


O Re da vida é-me absolutamente fundamental. Recomeçar, recuperar, reatar, é-me tão necessário quanto o respirar. Poder fazê-lo por amor, porque me sinto amado, porque sinto que posso, sem perder, foi e é ainda, muitas vezes, o factor decisivo da minha adesão a Cristo. Ter alguém - muitas vezes não é necessário ser Deus, basta mesmo alguém - que me acolhe de braços abertos e sorriso nos lábios e sinceridade no olhar apesar de mim, faz-me sempre sentir a criança que se recolhe nos braços do Pai.
Outra coisa, diferente, muitíssimo diferente, é conceder o Re. Permitir reatar, recuperar, reatar, traz consigo grandes dúvidas, grandes questões, grandes desconfianças. Conhecida a dor, abraço com maior facilidade a desilusão que a alegria, entro em perda, permito que a memória da dor seja a pauta, e descubro-me a dançar ao som do ressentimento: zangado, azedo, amargo. Então, percebo que este meu desejo de recomeçar é próprio da minha humanidade. E que, acolher, por amor, o desejo de recomeçar, é a linguagem deste Deus que me habita. E recomeço-me, e recupero-nos e reato, cá por dentro, a imensidão que nos une.
Feliz, danço ao som da Vida.

20191104


Serenar. Olhar para dentro. Respirar. Deixar que o ar entre nos pulmões por entre a respiração apressada. Serenar. Olhar. Ver. És mais que uma agenda, és mais que uma sucessão de acontecimentos marcados, és mais que uma mera peça de engrenagem. Serenar. Analisar. Há coisas mais importantes e coisas não tão importantes. Há coisas que esperam um arranque e coisas que andam pelo seu próprio pé. Há coisas tuas e apenas tuas e coisas dos outros e para os outros. Serenar. Centrar. Religar. Ao que é verdadeiramente importante. Ao que permanece. Ao que está para além do tempo. Ao que é o próprio tempo. Serenar. Encontrar. Tens uma música. Tens um passo. Tens um ritmo próprio. Não se dá dois passos ao mesmo tempo. Primeiro isto, depois aquilo. Serenar. Partir. Vamos a isto.
Uma boa semana.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...