Li, era ainda muito miúdo, que a dor, se não existisse, teria que ser inventada. Na altura não entendi. Não sei se entendo agora.

Há qualquer coisa na Via Sacra que me questiona até à medula. Cada estação, cada passo de Jesus, cada reflexão, cada oração, são como se fossem minhas, como se fosse a minha vida, as minhas cruzes, as minhas dores, as que rezamos. A determinada altura, não sei se são minhas as dores de Jesus, ou de Jesus as minhas dores. Talvez sejam ambas. Talvez sejam de ambos. Com certeza serão de ambos, e andará por aí a humanização de Jesus, e a divinização do zé.

Dizia eu num destes dias que não consigo estar desatento nas homilias. E são muitas e boas, aquelas que me são dadas a escutar. Numa delas, despretensiosa, o sacerdote a determinada altura dizia que, se não somos deuses, somos Deus. Todos somos Deus! Esta frase remeteu-me imediatamente para conversas de mais de trinta anos, num gabinete de contabilidade, onde eu e um amigo, ambos em fase de descoberta, encontrávamos gozo em estudar, discutir e aprofundar a fé. Dissemos muitas barbaridades. Mas estou em crer que aprendemos ainda mais. Depois de muitos anos sem nos pormos a vista em cima revimo-nos há duas semanas. Como acontece com quem nos é importante, abraçamo-nos e retomamos conversas como se tivéssemos estado sempre juntos. Quando nos deixamos, já nem nos demos ao trabalho de nos prometermos o reencontro breve. Sabemos ambos que isso dificilmente acontecerá. E sabemos que não será necessário. Que se apenas nos revirmos daqui a quinze anos, será como se fosse já amanhã.

Há algum tempo soubera, por intermédio de amigos mútuos, que a sua vida tinha dado uma dura reviravolta. Em sentido descendente. "Já não é como o conheces!" À medida que nos íamos afastando depois desse reencontro, recordei essas palavras. Não vira nada de radicalmente diferente, nele. Quando lhe perguntara como estava ele revelou-me, com a mesma franqueza de sempre, que estava a recomeçar a caminhar. Também eu, respondi-lhe. Nos momento bons, estamos sempre a recomeçar. Nos melhores momentos, estamos sempre a caminhar.

Talvez seja por tudo isto que a Via Sacra me diz tanto. Se até um Deus caiu, se até Ele, que não fez mal a ninguém, teve que carregar a cruz, como poderíamos nós não o fazer? E, se não o fizéssemos, como poderíamos nós viver a nossa própria ressurreição?

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