20150826
Já foi há uma data de anos que vim de Moçambique. Mas parece que foi ontem. Quer pela proximidade, ainda que à distância, que sinto com quem lá esteve comigo, quer pelos suspiros de saudade sempre que vejo fotos, filmes ou documentários de África, parece que foi ontem. Porque foi marcante. Realmente marcante.
Um dia destes, quando discutíamos esta loucura dos migrantes, eu falava no que vira em Quelimane. Para nós, instalados, confortavelmente instalados, parece loucura que tantas pessoas corram tantos riscos para viver naquilo que de nos queixamos constantemente. Como podem elas ver o El Dorado num clima de austeridade, de desemprego, de precariedade? Como é possível que arrisquem tanto para depois viverem nas ruas ou em vãos de escada sem condições de dignidade nenhumas, com condições de vida piores que as da maioria dos nossos animais domésticos?
Retenho ainda, demasiadas vezes, as cabanas de alguns deles em Quelimane, os esgotos a céu aberto junto às fontes de água, as lutas por restos de comida entre cães e ratos do tamanho de cães. Recordo ainda, demasiadas vezes, a omnipresente cana de açúcar ao canto da boca para enganar o estômago e o olhar vazio de quem não come há três dias e o olhar de uma alegria indescritível de quem está perante um tacho de feijoada mal amanhada. Tenho ainda bem presente, demasiadas vezes, a total ausência de prespetiva de futuro, a péssima qualidade do ensino, o trabalhar apenas por comer, o ser-se - grato! - carne para canhão de chineses, indianos e ONG's. E recordo tudo isto demasiadas vezes porque esta realidade ainda está lá e estará lá por muitas gerações.
Não entendo a nossa dificuldade em aceitar os migrantes. Ordenadamente, claro, preparando a sua chegada, claro, abdicando de alguma da nossa comodidade e da nossa "segurança", claro, mas acolhendo aqueles que vêm à procura, não de uma vida melhor, mas de vida porque a única alternativa que têm é morte.
20150824
Recomeçarei hoje a minha rotina. Parcialmente, apenas, mas já é muito bom. Estou mesmo a precisar!
Curiosamente, tenho pensado na minha reforma. Deve ser de não ter nada de especial para fazer, a não ser inventar coisas para fruir deste tempo de dolce fare niente. Não há correrias, não há programações, não há agenda cheia de coisas para ontem... Nunca me dei muito bem assim. Aliás, estou de férias vai par um mês, o que é francamente demasiado para os meus gostos. E a questão coloca-se: e se fosse a minha reforma? E se não fossem apenas férias, mas a reforma? Como seria eu? Como serei eu quando já não tiver nada para fazer?
Nunca deixei que o meu trabalho fosse mais que apenas um trabalho. Nunca permiti que aquilo que eu faço me definisse. Jogava à cautela, claro, porque conheço os meus limites e sempre soube que dali não viria grande coisa. Mesmo agora, em que trabalho e prazer se misturam de forma quase constante, preocupo-me em não me levar demasiado a sério naquilo que faço, que hoje é isto mas já foi tantas coisas diferentes em tantos lugares diferentes que o melhor mesmo é não criar raízes excessivas e ter sempre a mala pronta.
Um dia destes, depois de termos ido esperar os que chegaram de Timor, conversávamos acerca disso. Do meu papel na vida daqueles miúdos que passam pela minha vida. Houve um tempo em que pensei que seria decisivo, mas o tempo ensinou-me que isso não é verdade. Que não deve ser verdade. O que fazemos e vivemos e sentimos juntos será por eles associado não a mim, mas aos lugares, aos momentos, às experiências, despertando-lhes - espero eu! - aquele sabor que todos temos quando nos recordamos das coisas boas que fizemos quando éramos novos. E, francamente, isso chega-me.
Gostaria de ser recordado como um semeador. Como aquele que monda a terra, recolhe a semente - que não é sua - lança-a à terra e rega-a por algum tempo esperando que cresça, deixando que outros usufruam da beleza da terra cultivada e recolham os seus frutos. É isso mesmo que eu faço quando olho para a beleza de um campo cultivado. Não penso em quem o semeou, em quem o trabalhou e tornou aquilo possível. Quando muito, em dias bons, dou Graças pela maravilha que tenho diante dos meus olhos e pelos que tornaram aquilo possível.
E fico sossegado. Mesmo quando for reformado não faltará semente e terreno para cultivar. Não me posso é deixar ficar sentado à espera que as coisas cresçam por si só.
20150819
Regressei há pouco de Paris. Adorei. Surpreendentemente! Nunca tido Paris como um destino desejável, mas, por altura das nossas bodas de prata, os nossos filhos entenderam que Paris era um bom lugar para recuperarmos forças. E sintonias. Sábios, os meus filhos. Com toda a lata do mundo, conseguiram contactar com os nossos amigos e angariar, junto deles, o dinheiro que eles não tinham.
Paris é imenso! Em Paris, tudo é imenso! Os edifícios, os jardins, as avenidas, os museus, a organização do tráfego, tudo. Foram quatro dias excelentes pelo que vimos, pelo que namoramos, pelo que conversamos, pelo tempo que tivemos, juntos, para fazer tudo isso. Sem interrupções, sem preocupações, sem nada que nos atrapalhasse o gozo da mútua companhia.
Hoje fui caminhar. Junto ao rio. Na minha cidade. E nenhum outro lugar substituiu o enorme gozo que sinto sempre que caminho na minha cidade. Paris pode ser lindíssima e imponente e ultra cultural, mas caminhar no meu Porto, no meio das minha gente, é impagável! É a minha casa. É o lugar onde habito. Verdadeiramente.
20150812
Acabei de ver um filme que, creio, será daquele que terei ainda bem presentes daqui a uns anos. Chama-se Le Week-End - ai as maravilhas do Popcorn time! - e retrata um casal que comemora o seu 30º aniversário de casamento em Paris.
Se há coisa que me assusta verdadeiramente é a eventualidade de poder chegar ao fim da vida e chegar à conclusão que tudo foi em vão. O que não é nada difícil de acontecer! Demasiadas vezes deixamos que a vida se nos escape por entre os dedos, em nome não sabemos bem de quê, e permitimos que os dias se sucedam aos dias se que nada de relevante façamos acontecer debaixo do céu. Se calhar é por isso que me questiono tanto e tantas vezes, acerca de tudo e de (quase) todos, e se calhar é por isso que me sinto sempre à procura do sentido e do motivo e das razões que, a cada momento, me levam a sentir o que vou sentindo, me levam a fazer o que vou fazendo. Não é já um questionamento desenraizado, desenfreado, sem qualquer noção dos limites e pronto a revolver tudo de cima a baixo, como foi durante tantos anos em que sentia que nada tinha a perder. Agora tenho já raízes - algumas delas, pela primeira vez, cá por dentro e não meramente fora de mim - e vida de que não estou disposto a abdicar em nome de qualquer coisa que possa valer a pena. Mas é um questionamento que pretende incomodar-me, ou desacomodar-me e confrontar-me se quem sou é realmente quem quero ser, se vou ter que fugir do meu passado ou se, pela primeira vez, vou conseguir olhar-me nos olhos sem vergonha ao revisitar a minha vida.
Faz-me sempre muita impressão os que permanecem apenas porque sim. Seja num emprego, seja num casamento, seja em qualquer outra forma de relacionamento, seja uma religião, seja no que quer que seja. A vida é demasiado preciosa para ser desperdiçada com o que não vale a pena.
20150807
Fui matar saudades. Sozinho, como por vezes gosto, apenas com o mar e o sol e o som do mar e das gaivotas a acompanhar. Perfeitamente alheio à multidão que, por esta altura, descobre que caminhar e correr e deitar à beira mar é bom. Perfeitamente alheio a todos quantos por mim passavam, completamente mergulhado nas minhas boas memórias de pensamentos e conversas e partilhas feitas ao longo daquele lugar. O meu ritmo era o que sempre foi, ao longo do ano. Calmo, saboreando, apreciando, deixando que a cabeça andasse lá por cima enquanto o corpo desliza cá por baixo.
Tenho feito uma série de propósitos. Que sei que provavelmente darão em coisa nenhuma, como me é tão natural. Um deles é substituir a caminhada matinal pelo ginásio, logo de manhã. Não me cheira que vá acontecer. Ainda hoje, enquanto caminhava, confirmava a falta que me fazia aquele momento para que eu possa focar no que é realmente importante. Ainda hoje voltei a sintonizar, voltei a recordar, voltei a sentir aquele prazer que me alimentou todo o ano do qual dificilmente prescindirei, muito menos em nome de chegar aos cinquenta com uns quilos a menos. Cheira-me que vá preferir, de longe, a minha saúde e equilíbrio mentais e que a barriguinha vá continuar por aqui. Paciência! À medida que o tempo passa vou valorizando cada vez mais o sabor. Não é preguiça, é escolha mesmo, é perceber onde está aquilo que valorizo, onde vou buscar a qualidade de vida, onde encontro aquilo que é importante para mim.
De hoje a uma semana estaremos em Paris. Como sempre, já me sentei a preparar tudo, o que vamos visitar, quando vamos visitar, o que vamos comer e onde. Sei, no entanto, que o mais provável é que não faremos a maior parte do que programei e nos limitaremos a passear, de mão dada, pelos imensos jardins, junto ao Sena, saboreando as maravilhas envolventes com o tempo que apenas nesta altura temos. Calculo que quando chegarmos a casa os nossos filhos nos vão perguntar pelos museus e espetáculos que afinal não vimos e nos vão dizer - como sempre dizem - que desperdiçamos o Louvre e tudo aquilo que apenas Paris tem. Não percebem que podemos bem com esse desperdício. Que o que não podemos nem queremos desperdiçar é termo-nos, um ao outro, com todo o tempo do mundo.
20150806
Volta e meia sinto uma saudade imensa. Estúpida. Sufocante. Estúpida porque não se refere a algo que eu já tenha vivido e por isso recorde, mas porque se refere a algo que ainda não vivi, ou melhor, é uma saudade de algo que não chegarei nunca a viver. Nem sequer são saudades do futuro, porque esse nunca chegará, mas das hipóteses de futuro que, à medida que o tempo vai passando, à medida em que eu, nesse tempo que passa, vou fazendo as minhas escolhas, vão sendo cada vez menos escolhas, vão sendo cada vez mais memórias de sonhos... que nunca chegarão a memórias de vidas. Ainda é mais estúpido porque a vida e os que me rodeiam têm-me proporcionado a verdadeira bênção de poder fazer, a cada momento, as melhores escolhas. Neste tempo de paragem - as férias são sempre alturas difíceis para mim - talvez até por ser o meu 50º ano de vida, tem-se propiciado fazer uma série de balanços. E eu adoro a minha vida. Os últimos dez anos, então, têm-me dado a conhecer horizontes que sempre acreditei estarem para lá dos meus limites, e sinto-me profundamente grato, por isso. A cada dia, a cada instante! Saudades, então, de quê?
Sempre fiz as minhas escolhas com elevada dose de leviandade porque sempre fiz as minhas escolhas com elevada dose de confiança. Sempre fui muito mais de fechar os olhos e saltar que de programar passos e tempos e vidas. Foi sempre assim nos momentos mais importantes e decisivos: uma vez colocada a possibilidade, importava mais saltar, com um sorriso, que programar. Uma vez saltado, importa mais viver, com um sorriso, que lamentar. Sejam quais forem as circunstâncias. Seja qual for o nível de arrependimento que, inevitavelmente, em segredo, no escuro, acontece. Sempre fui muito mais de saborear o que a vida me ia dando a saborear e a procurar o melhor de cada momento para o apreciar convenientemente. E aprecio, verdadeiramente, por entre a azáfama constante do meu quotidiano, por entre as descobertas e as partilhas e as orações e as graças que, invariavelmente, inevitavelmente, sinto que devo dar no final de cada dia.
Mas paro. Há alturas em que paro. E o tempo de paragem é sempre um tempo difícil para mim. Não pelo confronto comigo mesmo e com as minhas escolhas e com a minha vida. Dou Graças por tudo isso. Mas pelo confronto com o que não vou sendo, o que não vou conseguindo ser, o que vou adiando ser, o que vou desistindo ser. É inevitável que isso aconteça. Seria sempre inevitável que isso acontecesse. Quaisquer que fossem as minhas escolhas, qualquer que fosse o meu percurso de vida - e poderia ter sido tão diferente! - haveria sempre um tempo de paragem em que me confrontaria com o que vou deixando de poder ser, e isso seria sempre de certa forma doloroso. Porque isso seria sempre confrontar-me com os meus limites, com a minha própria - diria dolorosa - finitude.
E esse, nunca me é um confronto fácil.
Apesar de me remeter para Aquele cuja finitude é inexistente.
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