Já o tinha intuído algumas vezes, nunca o tinha verbalizado, muito menos com a clareza com a clareza com que o fizemos enquanto caminhávamos naquela manhã gelada dentro e fora de nós: ao longo do que vai sendo a nossa vida, conhecemos, em determinadas - raras! - alturas, alguém que nos leva a pensar "noutras circunstâncias..."

Recordei-me imediatamente do "How to make an american quilt", particularmente daquela cena que me marcou para a vida em que ele, depois de uma deliciosa conversa, recusa ir com ela porque tem a sua mulher à espera. E, ainda no filme, recordei como ela confessava que, de entre todos os homens que conhecera e com quem se aventurara, o único com quem quereria ficar era justamente aquele, pelo amor que ele tinha à sua mulher, pela fidelidade que ele mantinha com ela, justamente aquele, que fora o único que se negara a tê-la sem compromisso, como tantos outros a tiveram sem compromisso. E como ela desejava, mesmo depois de todo aquele tempo, mesmo depois de todas as posteriores aventuras, mesmo depois de ter negado outros compromissos, ser ela a sua mulher, aquela que o esperava, feliz, em casa, enquanto ele regressava, igualmente feliz, para os seus braços.

Volta e meia regresso a este filme, e a esta cena em particular.

O equilíbrio que tem que existir entre duas pessoas que se amam é, sempre, qualquer que seja a circunstância de ambas, muito ténue. Amar, amar mesmo - quer seja numa amizade profunda ou numa relação a dois - exige sempre entrega total e absoluta, sujeição total e absoluta, vontade própria total e absoluta de abdicar de si porque encontra a felicidade fora de si. É fatela, eu sei, está fora de uso, sei-o também, já não se usa, patati, patata, mas se assim não for pode ser tudo menos amor. A entrega total exige liberdade total e vontade total. Mútuas e de cada um. Se assim não acontecer, não passa da satisfação de uma necessidade de posse, e isso é perna demasiado curta para tanta necessidade de caminho.

Mas isto faz com que quem ama viva permanentemente num limbo, sobre o arame, sem certezas totais e absolutas - a não ser a da minha própria entrega, sentindo a alegria de ser amado! - mas na confiança total e absoluta que, se algum dia, o deixar de ser, serei-o no entanto o suficiente para ser o primeiro a sabe-lo. Nada é certeza. Tudo é confiança. E entrega. E confiança. E entrega.

Por isso, por vezes, quando as coisas não correm bem, amar dói tanto. Porque, às tantas, a entrega mantém-se. Mas a confiança já se foi. Então temos duas, apenas duas, possibilidades: ou apostamos tudo na reconstrução ou apostamos tudo no reinício. Em qualquer dos casos, lambemos feridas. Que doem como o caraças! E nunca mais passam!

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