"Quando a Igreja se fecha em si mesma, talvez esteja bem organizada, com um organigrama perfeito, tudo a postos, tudo limpo, mas falta alegria, falta festa, falta paz, e assim torna-se uma Igreja sem esperança, ansiosa, triste, uma Igreja que tem mais de solteirona do que de mãe, e esta Igreja não serve, é uma Igreja de museu», afirmou o papa, citado pela Rádio Vaticano."

Li isto e pensei imediatamente em nós. Em como sempre foi um desejo profundíssimo teu ter uma casa perfeita, sempre arrumadinha, sempre limpinha, com todas as coisas no sítio, como aquelas que víamos nas revistas. Imediatamente me vieram à cabeça as tuas infindáveis e infrutíferas lutas para que os brinquedos não ficassem espalhados pela sala, que os jornais e revistas estivessem devidamente dobradinhos e no seu lugar, que os imensos filmes dos filhos estivessem convenientemente arrumados e escondidos de quem nos visitaria. Lembrei-me logo dos teus fins de semana passados na vã tentativa de por em ordem uma casa cheia de miúdos, de brinquedos e brincadeiras, de vida. Essa foi uma daquelas coisas onde tiveste que ceder. A custo, a muito custo, foste percebendo que muito mais importante que uma casa arrumadinha é uma casa cheia de vida.
Ainda hoje a nossa casa é um fiel espelho de nós próprios. É o nosso lugar. Nenhum de nós lá passa muito tempo, atarefados que andamos todos entre trabalho e projetos e paróquia e estudos e desporto e música e tudo o que aparecer à frente porque nós sempre fomos assim e transmitimos essa forma de estar na vida aos nossos filhos. Não são já muitas as vezes em que estamos todos juntos a ver um filme, ou a tomar um chazinho quente, invariavelmente preparado por ti. Quase sempre pelo menos um de nós está de passagem, vem de algum lado e repousa um pouco antes de partir para outro lado. Por isso temos sempre casacos em cima do sofá ou pendurados nas cadeiras, temos sempre algum calçado fora do sítio, papéis e livros espalhados, e sacos, muitos sacos, sejam mochilas ou malas ou carteiras ou simplesmente sacos, que estão sempre pela sala de jantar.
É assim, a nossa casa. Graças a Deus! Não é tanto um sítio para estarmos mas para retemperarmos forças. Ali, todos sabemos sempre com o que podemos contar, com quem podemos contar. Sabemos que há sempre uma altíssima probabilidade de conversar e rir e discutir e cantar e até dançar, sabemos que nos dias frios temos sempre o nosso sofá gasto, cheio de mantas por cima, cheio de covas por baixo, mas que vai resistindo heroicamente, orgulhosamente assumindo a responsabilidade de levar com pelo menos sete pessoas em cima quase todos os dias. Ali, todos sabemos que temos sempre alguém com quem conversar, com quem desabafar, com quem aferir até que ponto a asneira foi grossa, sabendo que provavelmente nos irá dar na cabeça, nos irá contrariar, que não nos dirá o ámen que tanto gostaríamos de ouvir, sabendo também que se o quiséssemos, verdadeiramente, ouvir, certamente conversaríamos noutro lugar, com alguém que nos amasse um pouquinho menos.
Percebo muito bem o Papa Francisco. A nossa casa é tudo menos bem organizada, com um organigrama perfeito, sempre limpa, sempre perfeita. Mas tem muitas vezes alegria e festa e, nos raros momentos em os astros se conjugam para que o maralhal esteja fora de casa, até consegue ter alguma paz.
Deus seja louvado!

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