Ontem, quando nos despedimos, disse.lhe: vê se fazes Natal. Sei bem o que estava a dizer, porque sei bem que uma grande parte do Natal é, justamente, feita por nós.

Quando era miúdo adorava este tempo. Na altura vivia bem no centro da cidade e testemunhava, in loco, a azáfama que a todos invadia. Na altura não havia shoppings mas as ruas da baixa estavam sempre cheias de música, iluminação e pessoas. Santa Catarina, 31 de Janeiro, a Avenida, o Bolhão, tinham este cheiro característico, esta alegria tão grande e tão contagiante. A ausência dos centros comerciais fazia com que toos se concentrassem nos mesmo sítios para fazer compras e estas coisas são contagiantes, quantas mais pessoas, mais alegria, quanta mais alegria, mais pessoas. Lembro-me de um ano em que, pouco antes do Natal, tinha medo de sair à rua porque poderia ser atropelado e já não teria Natal. Este medo irracional apenas me voltou a acontecer por duas outras vezes, era já adulto: nas vésperas do meu casamento e nas vésperas de ser pai pela primeira vez. Era assim que eu vivia o Natal, intensamente, alegremente, contagiosamente.

Sei hoje que não era o Natal que eu vivia, mas o folclore que anda à volta dele. Hoje é tudo muito mais calmo, mais sereno, mas mais verdadeiro. Claro que lá em casa nos deixamos contagiar pelos presentes, pela música, pelos filmes. Mas agora o Natal, lá em casa, tem muito mais a ver com pessoas. Hoje chegam os miúdos da Irlanda, e se calhar bem, os lisboetas também chegarão daqui uns dias, e lá em casa, como nos bons tempos, seremos cerca de vinte, apertadinhos mas muito felizes, à volta daquela mesa. Antecipamos todos a azáfama da cozinha, faz bolo, tira bolo, este queimou, o pudim não ficou como queria, põe mesa e tira mesa, não cabemos todos, como havemos de fazer, e a música a tocar e todos a falar ao mesmo tempo, e traz o vinho e o delicioso molho que faço nesta noite e depois não me deixa dormir, eia! já chegaram as batatinhas (está tão bom, vó), e as sobremesas a seguir e lá temos nós que ir à Missa do Galo - hoje não me apetecia nada (nunca apetece nada mas depois sabe tão bem!) - e a missa do dia de Natal com todos roucos e ensonados e o farrapo velho do almoço do dia de Natal (esperamos por ele com tanta alegria como pelo Menino) e bora todos para o sofá para ver os primeiros cinco minutos do filme antes de cairmos para o lado como tordos.

Acredito que chegamos a um ponto em que se nos tirassem os presentes não mudaria nada doq eu tanto gostamos do Natal. Bom mesmo é estarmos todos lá em casa, a confusão, a alegria, a Missa do Galo, o almoço do dia seguinte, que dura horas, aquela tarde em que estamos todos juntos a conversar durante imenso tempo. Isso sim, é o nosso Natal. Ainda para mais este ano teremos Mesa de São Pedro, no almoço de 24, e sentiremos a entrega de uma forma ainda mais especial.
Sei bem que uma grande parte do Natal é justamente feita por nós, Não por nossa causa, mas por causa do nosso Deus que, por amor, quis confiar-se-nos ao ponto de se colocar, inteiramente, à nossa mercê. Perante um Deus assim, a nossa única resposta deve ser tentar imitá-lo e colocar-nos a nós próprios, a mercê dos outros. A começar pelos nossos, que são, muitas vezes, quem nos gera mais medos e desconfianças. Acredito que só assim faremos Natal.



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