20131127


"Não vos inquieteis, procurando a causa dos grandes problemas da humanidade; contentai-vos em fazer o que puderdes pela sua resolução, ajudando aqueles que precisam. (...) Por mim, faço tudo o que posso; quanto ao resto, não me compete."

Por vezes discuto com um amigo, que tem sempre grande relutância em participar nos vários Projetos em que estamos envolvidos. Que ajudamos quem não precisa, que faz tudo parte de um enorme esquema conspirativo para que alguns fiquem bem na fotografia, que serve apenas para iludir as nossas consciências, que se as pessoas gastassem o dinheiro no que vale a pena em vez de irem fumar para os cafés as coisas seriam diferentes, etc. São argumentos gastos, que no princípio ouvia quase todos os dias mas que agora, talvez porque vejam que não adiantam, vou escutando cada vez menos.

No caso deste amigo, no entanto, os seus argumentos são puramente racionais, não passam de desculpas para não se incomodar e, mais importante, entram em clara contradição com o que sente sempre que se permite olhar à sua volta. Por isso, sempre que é mesmo preciso, não hesito em recorrer a ele porque sei que, seja por respeito a mim e ao meu trabalho, seja porque no fundo sabe que as coisas apenas se vão resolvendo quando metemos as mãos na massa, nunca me deixa ficar mal.

O curioso disto tudo é que eu poderia facilmente estar do lado dele, dos que mandam as bocas, dos que encontram todas as boas desculpas para não fazer nada. Não tivesse eu tido um motor fora de borda que não desistiu enquanto não me meteu o bichinho e eu seria mais um da enorme multidão de opinadores de sofá, dos que sabem sempre exatamente qual seria a solução de todos os problemas mas nunca levantaram o dito cujo para fazer coisa nenhuma. E eu, bom como sou a inventar desculpas, seria provavelmente um dos melhores opinion makers do país.

Mas perdi-me. Temos pena!

20131126


Não são muitas as pessoas que conheço que têm o condão de transformar dificuldades em oportunidades de encontro. Hoje, logo pela manhã, recebi um telefonema a pedir (pedir mesmo, não solicitar) a minha colaboração por causa de um contratempo. Lá resolvemos a questão, sem grande dificuldade, e a coisa rolou. Recebi agora uma mensagem sua com um "obrigada e desculpa". Simples, eficaz e muitíssimo agradável.

Uma das coisas que enchem mais os meus dias é quando tenho a sensação que aprendi alguma coisa. Então se forem destes gestos, atitudes, demonstrações de sabedoria profunda, daquelas que implicam os calcanhares bem assentes no chão mas que estão aí para todos os que as quiserem absorver, deixam-me ainda mais feliz. São pessoas assim que me fazem sentir privilegiado por viver os meus dias da forma como os tenho vivido.

Ainda há pouco falava com alguém do Fredo, um (ainda) miúdo do Bairro com quem tenho aprendido muito. No Espaço onde ambos trabalhamos nunca o ouvi a berrar com os miúdos, a falar com eles sem ser olhos nos olhos, baixando-se até que os seus olhares estejam ao mesmo nível. E nunca os vi a respeitarem ninguém como o respeitam. No início, a minha atitude era profundamente contrastante com a sua, achava que me devia impor como um leão se impõe na selva para que depois, magnânimo, lhes permitisse ser. Profundamente errado, como quase sempre, aliás. Agora, depois de uma muito lenta aprendizagem, lá vou conseguindo fazer como ele, conversando com calma e olhos nos olhos, e tenho apreciado ver como é muito mais eficaz para ambos.

Não raras vezes, quando olho para mim e comparo as minhas atitudes com as de outros que me rodeiam, sinto-me profundamente envergonhado. Pudesse eu fazer um reset, ou um freeze, e certamente o faria com todo o alívio deste mundo. No entanto, a vida é justamente isto: irmos aprendendo, irmos bebendo uns dos outros o que todos nós temos de melhor para dar. E eu, que tenho a. sorte de viver no meio de sábios, só não aprendo se for mesmo nabo. O que às vezes acontece. Muito mais do que gostaria.

20131119


Li no Público um curtíssimo artigo da Bárbara Reis acerca do nosso Papa, "Um Papa que nos obriga a olhar". http://tribodejacob.blogspot.pt/2013/11/barbara-reis-um-papa-que-nos-obriga.html
Lembrei-me imediatamente de um encontro recente que tive onde se pretendeu que se discutisse a fé, na forma como a celebramos e vivemos. Bastaria aquela foto, aquele recorte de jornal, e teria valido a pena irmos a Fátima.

Na realidade, como cristãos, como pessoas, temos muito a aprender com este Francisco. Continuamos a viver nos mesmos moldes, encarcerados nas nossas realidades fechadas enquanto ele, alegremente, nos indica o caminho a seguir. Ainda há pouco tempo, numa das reuniões em que pensamos a fé, discutíamos a importância da paróquia, a centralidade da paróquia, para que, supostamente, fiquemos unidos à Igreja. Continuamos a não querer ver como a vida hoje se faz de lugares abertos. Continuamos a não querer ver como a comunidade hoje nada tem a ver com a comunidade de há 15 anos atrás. Continuamos a não querer ver como, particularmente os jovens, se sentem uns nos outros em espaços que nada têm a ver com os locais de residência que não são seus mas dos seus pais. E, o mais trágico, é que continuamos a não querer ver como desperdiçados a sua fome de Verdade ao negarmo-nos a ir ao seu encontro, ao persistirmos na tentativa vã de os encarcerar nos nossos próprios moldes mentais.

Francisco, com estes gestos simples, mas não inocentes, porque sabe que serão vistos em todo o mundo, dá-nos pistas e força para que não tenhamos medo de desconstruir o mundo em que vivemos. Aos poucos vou aprendendo com ele que afinal a sua tarefa mais árdua não é desmontar toda a máquina politica da cúria. É outra, porventura bem mais difícil: é incomodar-nos, inquietar-nos, levar-nos a levantar o rabiote para podermos ir ao encontro do nosso tempo.

Porque é aí que os jovens vivem.
Porque é aí que queremos que Cristo viva.

20131113


Detesto quando tenho que vestir um fato que não sinto como meu. Mas por vezes tem que ser. Principalmente no meu papel de pai.

Considero que saber é absolutamente fundamental. Porque me permite situar-me no mundo que me rodeia, porque me liberta, porque me dá o poder de discernir o certo e o errado, porque me dá as armas para decidir o melhor em cada momento, porque evita que seja um boneco em mão alheias, porque me capacita para ajudar a construir um mundo melhor. Um dos momentos mais marcantes da minha vida foi quando descobri, já quase adulto, que havia pessoas que trabalhavam para pagar a faculdade. Toda a vida me tinha sido dito que a faculdade era para meninos bem, para ricos, e eu, que a partir de determinada altura descobrira um imenso gosto pelo saber, senti-me roubado na minha possibilidade de futuro. Lembro-me que pensei "assim também eu!", um desabafo que hoje me acompanha muitos dias no Centro Comunitário.

No entanto, se tenho o saber como absolutamente fundamental, o canudo a mim não me diz absolutamente nada. A tal ponto que fiz os cinco anos da faculdade com um imenso gozo e agora peno com os dois passos finais porque não acredito que acrescentem nada ao meu saber. E se faço questão de acabar nem sequer é por mim mas pelos meus filhos e pela minha mais-que-tudo, que fizeram sacrifícios para que eu pudesse estudar o que gosto.

Por isso entendo tão bem o meu mais novo: um puto imensamente feliz, com um sorriso enorme, mas que não tem o killer instinct que os irmãos têm em matéria de escola. Se se preocupa com as notas não é porque lhes dê importância em si mas pelo que sabe que os resultados menos bons provocam em nós (muito mais na mãe e nos irmãos que em mim). Por isso estuda com um motor fora de borda, o que faz toda a diferença. Eu finjo-me muito preocupado, visto o fato de pai, dou uns ralhetes, sento-me a estudar com ele e tento - aí sim, cm o meu próprio fato - fazê-lo sentir a importância do saber e de conseguir transmitir aos outros o conhecimento. "Não estudas para fazer testes, estudas para saber e as notas dos testes resultam do que sabes."

O que me vale é que sei que muito do que se vai construindo na minha relação com os meus filhos resulta justamente destes momentos aparentemente inofensivos. Passito aqui, calcadela acolá, empurradela mais adiante, e vamos construindo um mundo apenas nosso que nos permite estabelecer pontos de comunicação que, mais tarde - sei-o por experiência com os outros filhos - são preciosíssimos para continuarmos a caminhar juntos.

E isso é o que importa.

20131112


Gosto assim. Sem contar, entra-me pela porta dentro, com um enorme sorriso, que apenas a alegria do reencontro pode proporcionar. A conversa solta-se, toma conta do nós, e falamos de coisa nenhuma, típico daqueles que não precisam de bater à porta da intimidade alheia, simplesmente porque esta não está lá. Os limites há muito foram ultrapassados, as janelas - as da alma -  escancaradas, e tudo é terreno conhecido, atempadamente apropriado, sem zonas de segurança, sem zonas de desconforto.

Não são muitas as pessoas com tamanho privilégio. É preciso vida vivida, partilhada, com uma dose qb de sofrimentos e ultrapassagens por dentro e por fora, com algumas dúvidas, com muitas descobertas e redescobertas e vontade e abertura e segurança suficientes para se permitir refazer por dentro a cada conversa, a cada discussão, a cada etapa. E o tempo, o inevitável, inelutável, o Mestre Tempo, a permitir respirar nos entretantos, a potenciar a saudade, a refrescar a memória das coisas boas, a desvalorizar a menos boas, a despertar a fome do reencontro, a permitir que a saudade de lugar à alegria do olhos-nos-olhos.

São muitas as vezes em que acredito que a alegria do encontro - qualquer que seja a forma de amar que está na sua génese - é a única coisa que vale a pena viver. Intensamente!

20131108


Não é mesmo possível servir a dois senhores.

Uma das maiores questões da minha vida é a minha dificuldade em estar. Eu, que gosto tanto de estar, que faço tanta questão de estar, desespero quando não consigo estar como queria, com todos quantos queria, e, principalmente, com quem esperaria que eu estivesse. Por causa disso tenho muitos amargos de boca, sinto-me muitas vezes culpado por não conseguir cumprir com quem sinto que me comprometi.

Na minha vida, volta e meia tenho que parar e forçar-me a recordar da hierarquia das pessoas com quem me comprometo. Recordar-me para quem sou verdadeiramente fundamental, quem depende de mim, tentar discernir se estou a conseguir ser qualquer coisa de jeito como pai, como marido, como amigo ou confidente, se estou a conseguir ser esteio de coisa alguma, como é suposto ser. 

Nessas alturas lembro-me invariavelmente do meu pai, que os meus amigos invariavelmente admiraram e admiram pela sua disponibilidade, abertura e eterna juventude. Lembro-me que muitas vezes eu tinha dificuldade em reconhecer a pessoa de quem eles tanto falavam, e que me parecia ter tão pouco a ver com aquele homem que, para mim, era apenas o meu pai. 

Houve um tempo na minha vida em que pensei ser padre. Depois descobri que queria muito mais ser pai e marido e ter uma esposa que amasse todos os dias e ter uma família da qual me orgulhasse todos os dias e ser feliz para sempre. Apesar de ter conseguido essas coisas todas, volta e meia descubro-me dividido entre a disponibilidade para os meus e a disponibilidade para os outros. quando me volto para uns os outros queixam-se sempre e eu tenho que fazer este exercício de corda bamba, quase sempre sem sucesso. Então respiro fundo, tento serenar-me, baixar as minhas expectativas, e voltar a calçar os meus tamanquinhos: afinal, não consigo servir a dois senhores, não consigo ser tudo em todos. 

Resta-me tentar ser algo em alguns.

Bambora

  Não é estranho que nos digam que «ser homem é muitas vezes uma experiência de frustração». Mas não é essa toda a verdade. Apesar de todos ...