Quando soube que Ratzinger seria o novo Papa não gostei nada da ideia. Vinha rotulado como ultra-conservador, Grande Inquisidor, temível perseguidor de todos os que ousavam pensar e viver a Igreja out-of-the-box. E era alemão, o que, para mim, nunca é grande cartão de visita.

A realidade, no entanto, foi bem diferente. Extremamente profundo nos seus escritos, cedo revelou ter ele próprio um pensamento e uma forma de estar out-of-the-box. E eu gostei muito disso. Gostei do facto de ser um homem do recolhimento e não das multidões, do pensamento profundo e não da espuma, mais do fazer que do aparentar. Gostei do seu esforço em reunir o rebanho voltando a chamar os ultra-conservadores (se Taizé nos ensina alguma coisa é que, desde que haja respeito mútuo, há espaço para todos. Eles não respeitaram, é um problema deles. Bento XVI fez o que tinha a fazer). Gostei do seu discurso exigente, claro, sem meias tintas, propondo o que tinha a propor sem se preocupar em demasia se era mal interpretado, ou se as pessoas gostavam ou não. Gostei muito desta sua versão contra a corrente, mas com pés na terra, devidamente alicerçada numa profunda cultura humana e teológica, que contribuiu enormemente para que deixássemos de ser vistos, nos areópagos internacionais, como uns pobres coitados que não sabem fazer uso da razão. Gostei muito da sua acção nestas coisas horríveis dos escândalos sexuais, das pedofilias, das ligações bancárias, não contribuindo mais para que se tapasse o sol com a peneira. Gostei da forma como preparou a sua saída, reequilibrando o sempre difícil equilíbrio de poderes na Cúria. Gostei da forma como escolheu sair, racionalmente, de cabeça levantada. Se, na altura, considerei muito importante que João Paulo II se deixasse envelhecer aos olhos de todos nós, restituindo a dignidade à velhice num mundo que idolatra a aparência do novo, considero muito importante que o Papa, hoje, se mostre disponível para o despojamento, para a dessacralização da figura papal, contribuindo para que o papado suba mais um degrau na percepção que nós próprios temos da Igreja-instituição.

No entanto, nada do que acabei de escrever faz o mínimo sentido aos olhos da fé. Não tenho que gostar mais ou menos do Papa. Não tenho que dizer que o JPII é que era, ou o BXVI era assim ou assado. Tal como a história destes dois homens revelou (tão diferentes como pessoas, tão diferentes como papas!), se esta fosse apenas uma coisa dos homens, a Igreja não seria Igreja, não seria âncora, não seria caminho, não seria já mais que mais um grupo de pessoas, mais ou menos numeroso, mais ou menos bem intencionado, mas sem qualquer ligação a Jesus Cristo. O que a história destes dois últimos papados revelou é que o Espírito Santo zela sempre por nós, particularmente quando nos julgamos mais abandonados (ou mais poderosos), ou quando nos zangamos o suficiente para cedermos à tentação de tomarmos a Igreja exclusivamente nas nossas próprias mãos. Humanas e, naturalmente, falíveis.

Também eu espero ansiosamente pelo próximo papa. Também eu opino sobre quem deveria ser o próximo papa. Também eu vou ter expectativas defraudadas, vou não perceber muitas coisas, vou-me surpreender com outras, vou dar Graças a Deus por muitas mais.
Porque esta é a minha Igreja.
À qual me orgulho de pertencer.

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