20190227
Não me recordo de uma única vez em que tenhamos conversado sobre o que quer que seja em que eu tenha ficado na mesma. No sábado, em Fátima, voltei a ver um dos meus mestres e claro que tinha que ir ter com ele. "Então como andas?" "Bem. Sem ressentimentos", disse-me, enquanto, como é seu timbre, o seu olhar vagueia. "E isso é o mais importante, não ter ressentimentos. Aceita-se o que nos acontece e vive-se com isso." Vindo de alguém que vi a primeira vez com meia centena de miúdos à volta a fazer a caça ao leão, isto não é resignação. É aceitação, mesmo. É sabedoria.
Viver com ressentimento é desperdício. Podemos sentar e lamentar, podemos chorar, podemos até perguntar porquê eu, não podemos permanecer aí. É desperdício. Não é que nos acontece que determina quem somos, mas o que fazemos com o que nos acontece. A forma como reagimos ou não, a forma como levantamos, a forma como vivemos depois de levantados, isso sim é determinante, não apenas para nós mas sobretudo para quem nos rodeia, e ainda mais para quem nos viu caído. Não é por vingança ou revanchismo ou orgulho. É fé. Esperança. Confiança. Em Deus, nos outros, em si próprio. É aqui que reside a força imensa que não permite que deixemos de caçar o leão. Porque é sobretudo na dificuldade que podemos ser mestres. De nós próprios. Dos outros. O Gaspar é um dos meus. Deus seja louvado!
20190226
Durante anos a fio não soube o que era morrer-me gente. Agora, a sensação é que a morte veio para ficar. Todas as semanas é o pai de alguém, o irmão, a mãe, uma irmã que conhecia bem, o amigo... a morte veio para ficar. Provavelmente faz parte do meu próprio envelhecimento, que acompanha o envelhecimento dos outros, e por isso talvez seja o natural, o expectável. Seja o que for, a morte é para mim sempre uma lição. Sempre. Um alerta. Que pode dar para os dois lados: ou o para quê consumir-me, o que importa é gozar a vida; ou o oposto, para quê a pressa em gozar, o que importa é o sentido último e a memória que deixamos. Que são as questões que me acompanharam desde sempre mas que à medida que o tempo passa o tempo torna mais pertinente. Que fazer da própria vida? Prazer ou dever? Ou o se soubesse que viveria apenas mais seis meses o que faria com o tempo? São questões velhas da humanidade, estas que a morte nas proximidades acicata. Temos que ter os pés bem assentes, saber bem que terrenos pisamos, os que queremos pisar, para lhes conseguir sobreviver. Temos que ter os olhos postos na globalidade do tempo, passado, presente e futuro, e não apenas do nosso tempo mas no daqueles que amamos, para tentar descortinar um sentido compatível com esta permanente sede de vida plena. A morte é uma lição. Sempre. Decisiva na escolha da vida.
20190219
Tenho rezado bastante. Como quem procura. Sobretudo o repouso confiante nos braços do Pai. Pedindo a confiança de me deixar ser eu e fazer as coisas à minha maneira. À maneira de ser eu. Por vezes titubeante, noutras confiante, se possível não demasiado confiante porque sempre que me sinto demasiado confiante sai asneira da grossa. Hoje comecei a caminhar zangado e terminei a sorrir. Também porque rezei. Porque me rezei. Lembrei-me da minha dificuldade em perceber, no retiro, o que me pediam quando nos pediam para rezarmos uma determinada situação. Hoje rezei a minha situação. Concreta. O ter acordado zangado comigo, a falta de confiança, a falta do repouso confiante no Pai. Mudei o que metia pelos ouvidos dentro, conversei, tentei resolver o mal resolvido cá por dentro e por fora, e rezei. Permiti-me ver e sentir o que me envolvia nesta manhã gelada de fevereiro à beira mar. Permiti-me ser conduzido, deixar-me levar, confiar que o melhor será sempre o melhor se não me armar em carapau de corrida. Preciso de aprender. A deixar-me levar. A deixar-me conduzir. A confiar-me. A quem me ama. Em quem me ama.
20190213
Os meus dias têm sido melhores que as minhas noites. O que é muito esquisito, dada a imensidão de trabalho. Mas é justamente por causa dessa imensidão de trabalho que isso acontece. De dia sei o que tenho que fazer, programo o que tenho que fazer, preparo-me bem, tento encaixar as várias dimensões que reclamam a minha presença e a minha dedicação e chego ao final do dia exausto mas, normalmente, feliz, com a sensação do dever cumprido ou, no mínimo, com a sensação que não podia ter feito mais. E tenho muitos retornos positivos, dos miúdos, mais e menos novos, com quem trabalho, dos colegas e amigos, dos meus, de quem me ama. Tudo isso, metido naquele saco que, no final do dia perscruto atentamente, confere um saldo positivo. E deito-me. Exausto, mas, normalmente, feliz.
Mas eu não sou eu apenas acordado. E as minhas dormidas têm sido muito ocupadas, muito populosas, muito reclamadas, muito preenchidas de gentes e trabalhos e programações, coisas que correm mal e me afligem E acordo com aquele sabor estranho e fico feliz porque a minha realidade acordado, apesar de tudo, é menos complicada que aquela enquanto durmo.
Já tive alguns períodos na minha vida em que, por muito maus que fosse o meu sonho, a realidade vivida era bem pior. E então o meu desejo mais profundo era mesmo poder dormir sempre.
Homenzinho esquisito!!!!
20190211
Ontem fiz o meu Ikigai. Ou melhor, comecei, mas não acabei. Pelo menos ainda não. E nesta altura não sei se acabarei. Provavelmente porque vou percebendo, cada vez com maior clareza, que faço o que amo fazer e que, se pudesse escolher uma outra forma de vida, não andaria muito longe disto. Com um outro ritmo, talvez, com uma maior serenidade, com mais algum tempo disponível, mas no essencial nada seria muito diferente.
Hoje, enquanto caminhávamos pelo Parque da Cidade, pensava nisto. Estou mesmo em cima de uma quinzena tempestuosa, que culminará no regresso a Taizé, uma das minhas fontes de serenidade. No entanto, apesar do imenso trabalho, apesar dos convites aceites para dar formações várias, apesar da etapa final do curso, apesar de ter todos os fins de semana ocupados com trabalhos, estou sereno. Porque faço o que amo fazer, porque o faço com sentido, porque finalmente me sinto sobre os trilhos, os meus trilhos.
Serenidade e trabalho e imensidão de coisas para fazer coexistem, assim, pacificamente. Cada um tem o seu momento, cada um tem o seu ritmo próprio, e no entanto dialogam entre si. Serenidade é algo de dentro, trabalho é algo para fora. Há ainda uma imensidão de coisas a melhorar, a aperfeiçoar, mas nessa imensidão que tenho ainda que fazer cá por dentro, nas múltiplas afinações, a completude está presente, e isso facilita tudo. Não são já várias as imagens que se sobrepõem mas pequenos ajustes, a fazer aqui e ali, com tempo, com serenidade, com amor.
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