Conversávamos de como ainda somos construção. Supostamente, a esta idade, tudo deveria estar já consumado. Acabadas as preocupações, acalmadas as tarefas, sossegadas as inquietações, tudo deveria estar a convergir para a sabedoria e correspondente serenidade. Mas não. Quase todos os dias sou surpreendido por novidades, dentro e fora de mim, que me obrigam a corrigir rotas, redefinir atitudes, alterar procedimentos. Raras são as semanas em que algo não é desconstruído, seja pela realidade interior, seja por imposição externa. Penso sempre no modo de fazer do Pateta, esse filósofo da vida contemporânea que me acompanhou desde sempre. O Mickey, ao vê-lo de cinzel na mão perante um bloco de granito, perguntou-lhe o que ia fazer e ele respondeu "um elefante". "Mas sabes esculpir um elefante?" "É fácil, basta retirar do bloco tudo o que não é parecido com um elefante!".

Recentemente, uma das minhas inquietações mais profundas consistia em saber como me iria apresentar diante do meu Deus. O que Lhe diria? Como teria coragem de prestar contas de mãos cheias de nada? Talvez seja isso que esteja a acontecer. Talvez esteja a ser esculpido segundo o método do Pateta para que vá ficando mais próximo de quem sou. Talvez vá sendo retirada, camada após camada, cada ideia fala, cada convicção errada, até que reste apenas eu. Talvez nessa altura - que, espero, ainda demore, até pelo imenso que há ainda a desvelar - eu possa saber, exatamente, de corpo e alma inteiros, como me hei de apresentar diante do meu Deus. Até lá, é levar com o cinzel em cima. De alma grata e sorriso nos lábios.

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