20171125
Nunca consegui perceber a luta obstinada de muitas pessoas que eu conheço e admiro contra as redes sociais. Percebo que para algumas pessoas pode complicar a sua socialização mas creio - acredito, sem dados fidedignos, claro - que essas pessoas teriam sempre problemas de socialização porque sempre houve pessoas com problemas de socialização.
Entre outras coisas, não percebo porque a presença física é mais importante que a a presença distante, particularmente se existe intimidade na partilha mútua de vida e sentimentos. Porventura será até mais fácil essa partilha na distância dos olhares mas na proximidade das almas. Claro que se pode argumentar que essa intimidade é ficcional, mas se a proximidade física fosse garantia de autenticidade apenas agora, com o advento das redes sociais, teríamos problemas nessa área. E não me parece que seja essa a história da humanidade.
Vem tudo isto a propósito da morte do Pedro Rolo Duarte. Claro que não no conhecia o sentido físico do termo, nunca estivemos juntos. Mas quando ouvi uma entrevista do meu filho na Antena 1 e reconheci imediatamente a voz do PRD, ao orgulho natural de pai juntou-se o orgulho de um dos meus filhos ter sido entrevistado por um dos jornalistas que mais admirava e acompanhava desde sempre - e que o meu filho não fazia a mínima ideia de quem era!
Ontem senti o toque ao saber da morte do PRD. E hoje, ao ler os meus habituais jornais e blogues - um dos meus maiores prazeres nas manhãs de fim de semana - não consegui evitar uma sensação de perda. Não quero saber se não o conhecia, se não tínhamos laços familiares - esses sim, a maior parte das vezes artificiais para mim - nem se ele nem sabia da minha existência. Fazia parte das pessoas que eu admirava e lia e contribuía para a construção de mim enquanto pessoa - muito mais do que a maioria dos meus familiares.
Como sempre acontece com as grandes revoluções, estranhamos a mudança de paradigma. Neste campo, parece-me que os laços de sangue são hoje cada vez mais ténues, menos decisivos para a construção do que somos enquanto pessoas, e enquanto sociedade. A desagregação da família dá lugar a uma outra noção de pertença. Hoje podemos ter enriquecedoras trocas de ideias e partilhas mais pessoais com pessoas com quem nunca nos cruzamos fisicamente. Com quem apenas nos cruzamos espiritualmente, "almamente". Há quem tema isso. Eu acho fascinante.
20171122
Gostava mais de gente que de pessoas.
Entretinha-se a imaginar a vida daqueles que por ele se cruzavam na rua, a imaginá-los a chegar a casa, a pousar as compras em cima da mesa da cozinha, a esticar os pés no sofá, a deixar a mochila espalhada em pleno corredor. Entretinha-se a imaginar os seus diálogos, os seus silêncios, a mútua ignorância a que mutuamente se devotavam, a confusão à volta da mesa, a reverência atenta em torno das notícias e dos filmes e dos jogos e das novelas com que se imolavam todos os dias no altar da televisão. Entretinha-se a imaginar os sabores que habitariam, fugazmente, em cima das suas mesas, o sal em excesso, a abundância das especiarias, o insosso que vinha agarrado à idade, a carne excessivamente cozida, o peixe a saber a mar... ou a esgoto. Entretinha-se a imaginar o momento de deitar, o chamego dos corpos, o rendimento do cansaço, a indiferença do tempo, a solidão acompanhada que lia todos os dias, ao longe, em tantos dos seus olhares.
Sem dúvida, gostava mais de gente que de pessoas.
Detestava que se aproximassem, os odores, a inquisição no olhar, as tentativas constantes e insidiosas de conversão aos seus ideais, aos seus valores, à sua forma de vida, que apregoavam com a certeza apenas comparável à dúvida que em privado os atormentava. Ainda por cima insistiam, insistiam sempre. Na conversa de chaha, no olhar mortiço, no sorriso postiço, nas dádivas do que lhes sobrava, no consolo privado da alma que aquela insistência lhes trazia. Odiava-lhes a sobranceria do olhar, a piedade do olhar, o desprezo do olhar, a indiferença do olhar. Preferia-os ver longe, ao de longe, sem o confronto do olhar.
Definitivamente gostava muito de gente. Detestava pessoas.
20171120
Peço desculpa quase compulsivamente. Em princípio, a culpa é minha. Não importa se fiz ou não fiz, se disse ou não disse, se menti ou ocultei, se estive atento ou olhei para o lado. Se alguém está mal, a culpa, em princípio, é minha.
"Estou triste" e imediatamente há uma tempestade mental, uma busca nos arquivos, nos ficheiros, nas imagens e palavras. Revejo conversas e sinais à procura de coisas passíveis de serem mal interpretadas, ou de pés pelas mãos - eu sou ótimo nisso - e não encontro. Não naquela fração de segundo. Não importa que não encontre, tenho a certeza que a culpa é minha, não cuidei, não estive atento, meti água mais uma vez. "não é por tua causa". Meio alívio. Será? A cabeça não pára à procura de motivos. Abundam. Suspiro e preparo-me para escutar. Se for para me dar na cabeça, seja. Mesmo que não seja assim tão culpado desta vez sou-o de alguma forma. Sou sempre culpado, de alguma forma. Se é para me dar na cabeça é porque mereço.
Espero que vá sendo cada vez menos assim, à medida que a idade avança e a velhice vai tomando o seu lugar. Talvez a velhice traga consigo uma maior sabedoria, uma mais profunda serenidade. Espero que seja isso e não um adormecimento mental, ou sensorial. Talvez seja mais uma aceitação. Espero que não haja uma rendição. Espero que a minha intrínseca culpa vá progressivamente sendo substituída por um "o que for será", que não seja um "inevitabilismo" mas uma tranquilidade de quem percebe que a vida tem alturas em que segue um curso próprio e que mais vale gastar as energias naquilo que podemos efetivamente mudar. E que, por muito que se tente, haverá sempre lugar para contentamentos e descontentamentos, felicidades e infelicidades, alegrias e tristezas. E que, com sorte, haverá sempre alguém que goste de mim.
Desde sempre eu e os meus filhos conversamos de tudo. Sem tabus mas com os limites da individualidade e das escolhas de cada um. Minhas e deles. Há aspetos da minha vida sobre os quais eles não opinam ou se opinam respeitam as minhas escolhas. Há aspetos da vida deles que, por muita vontade que tenha de opinar, fazem parte das suas próprias escolhas, e eu tenho mais é que respeitar. E confiar. Na educação que lhes demos, nos valores que lhes tentamos incutir, que se deixem ir guiando pelo olhar atento e amoroso de Deus.
Então no que diz respeito à vocação de cada um, eles têm roda livre. Porventura, se e quando solicitados, poderemos dar a nossa opinião, mas sempre com muito pudor e reservas. A dificuldade ou não de conseguir um bom emprego nunca foi questão para nós, e muito menos o dinheiro que poderão ou não ganhar com a profissão que escolherem. Tentamos que as suas escolhas sejam mais ou menos conscientes mas não definitivas: não há escolha que valha uma vida de infelicidade e é importante para nós que eles saibam que se pode sempre recomeçar, que pior que recomeçar é persistir no erro. e que se recomeçarem, cá estaremos para os apoiar na medida do (im)possível.
Como pai, o fundamental é que os meus filhos sintam necessidade de agradecer o final de cada dia. à vida. Agradecer as coisas boas e más, as oportunidades e os desperdícios, as consumições e alegrias. Que agradeçam a vida, qualquer que seja a sua circunstância.Será, porventura, a chave da felicidade. Se agradecerem de coração franco, aberto e disponível, será sinal que percebem que não são ilhas, que o seu dia depende do trabalho de uma imensidão de pessoas sem as quais a vida seria pura e simplesmente incomesurávelmente mais difícil, se não impossível. Será sinal que entenderam que ninguém é mais ou menos importante que ninguém e o que ocupamos são lugares e cargos numa imensa rede de interajuda e apoio mútuo. E que tudo, absolutamente tudo, tem como origem alguém que nos deu a vida, o palco onde tudo é possível.
20171117
Nesta Igreja que eu amo e na qual vivo mergulhado até ao pescoço, há coisas das quais me orgulho e outras das quais me envergonho. Nada de mais, acontece com a minha própria família e, creio, com todas as famílias: decisões que não subscrevemos, pessoas que não reconhecemos como sendo de bem, companhias e conversas com as quais não nos identificamos minimamente e preferimos que não existissem.
Hoje, no carro a caminho daqui, tive este misto de sensações. Por um lado, orgulho pelo Dia Internacional da Pobreza. Eu, que até tenho saudades de Bento XVI, orgulho-me deste papa que, de certa forma, entende melhor o nosso tempo, particularmente na forma de comunicar em soundbites. Desde sempre que os pobres e os de sinal menos na vida são o motivo de agir da Igreja. Não é novidade para ninguém. Mas ser este Papa a dizê-lo, particularmente alicerçado na forma como viveu a sua vida e o se papado, ganha um outro impacto e uma outra efetividade. Orgulho, portanto.
Mudo de emissora e sinto vergonha. O nosso cardeal diz liminarmente que desaconselha os homossexuais no acesso ao sacerdócio. Coro de vergonha e tento ler a notícia, porque as coisas podiam não ser bem assim. Leio que, com a mesma facilidade e naturalidade com que fala do caso do padre que foi pai - e ainda bem - afirma a sua quase repulsa no acesso ao sacerdócio pelos homossexuais. No primeiro caso recorre até aos casais que, por "acidente", têm um filho fora do casamento. Acontece! Foi um descuido! Um homem - e um padre é um homem - não é de ferro! E sabemos como são as mulheres, não é? No passa nada, sobretudo se houver a firme intenção de reassumir a fidelidade. Agora, um homossexual ser padre, vade retro! Um homossexual, como todos sabemos é um ser perfeitamente incapaz de controlar a sua sexualidade, sempre a viver na sombra da promiscuidade, à procura de uma oportunidade para seduzir incautos. Não é bem um homem (ou mulher), é sobretudo um pecador. Vergonha. Enorme vergonha.
Anseio o dia em que, finalmente, olhemos para as pessoas tal como elas são, na sua circunstância, sem a ânsia de as catalogarmos. Creio que era isto que Jesus fazia.
20171106
Tenho vindo a aprender que um dos grandes segredos de uma vida feliz é o da gratidão.
Acabei agora mesmo de ser chamado à atenção. Amavelmente. Isto é, com e por amor. Por alguém que tem mais idade que a minha mãe. Que me conhece bem, há muitos anos, que contribuiu diretamente que a minha família aumentasse em número e qualidade, e com quem trabalho agora par a par.
Não creio nada ter o rei na barriga (apesar de, com jeitinho, lá caber um). Normalmente escuto todas as pessoas, submetendo as suas opiniões, posteriormente, ao natural crivo da minha reflexão. Não sou propriamente uma esponja mas também não sou mármore. É-me fundamental ir sendo balizado e corrigido nuns momentos e incentivado noutros. Talvez seja assim porque não tenho grandes definições interiores e dependo por isso da sabedoria que gira em torno de mim. Que é imensa!
Não preciso chegar ao final do dia para agradecer. Nem sequer da presença física de alguém específico para lhe agradecer. É comum, nos meus périplos matinais, surpreender-me num sorriso porque às tantas recordei uma conversa ou uma leitura ou um reparo de alguém. E louvo a Deus por esse alguém.
Se há certeza certinha na minha vida é esta noção que quando me armo em impermeável sou sempre pior pessoa. E que me vale de muito esta necessidade do olhar amoroso dos outros na minha vida.
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