O que de mais importante acontece entre quem se ama não é visível. Nem palpável. Nem discutível ou sequer argumentável. Por isso não raras vezes meto água quando tento apalavrar a imensidão que ora alimenta ou atormenta o meu peito. E quanto mais tento traduzir essa imensidão, maior é a minha pequenez.
Tenho uma tendência inata para a musicalidade, até nas palavras. Há uma cadência, um ritmo, uma sonoridade, que me acompanham permanentemente, nos mais variados momentos, que impede o sossego do pensamento mas me liga à alma. Quase sempre deixo-me invadir por essa musicalidade e permito que ela me conduza, numa espécie de ligação direta que não passa pela razão. Arrependo-me muitas vezes do que digo e resta-me, por vezes orgulhosamente, o único consolo da autenticidade das minhas palavras, que espelham, sem refletir, sem ponderar, o que de verdadeiramente sinto e sou em cada momento. Burro e confuso e incongruente, mas pelo menos autêntico.
No sábado, depois da oração, o maior espanto não vinha do que dissera mas da forma como dissera: quase sem gaguejar. Mergulhado naquela paisagem feita de pessoas e silêncios e cânticos e cumplicidades mútuas em oração, era na realidade escasso o que passava pela cabeça antes de ser proferido. Abandonava-me ao espírito com o mesmo deleite e irresponsabilidade de quem confia cegamente e se deixa conduzir pelo amor.  Talvez daí o não gaguejar. Ligação direta. Sem passar na cabeça.
Num processo muito semelhante, quando converso a sério, a dois, intimamente, olhos nos olhos, alma na alma, também tenho tendência a não gaguejar, a deixar que a musicalidade tome conta de mim e a abandonar-me ao momento. Por vezes dizem-me que sorrio parvamente e perguntam.me o que estou a pensar. E raramente acreditam quando respondo que não penso. Limito-me a deixar fluir.
Disse ontem que, se não gaguejasse, seria uma pessoa muito diferente. E não para melhor. Normalmente, o abandono à musicalidade das palavras proferidas é um bom sintoma para mim. Significa que estou mergulhado. Que vivo. Intensamente!

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