Num dos meios onde passo uma parte substancial dos meus dias, a sensação mais importante que se pode transmitir é a possibilidade de recomeçar. São pessoas que sentem que nasceram já devidamente carimbadas, marcadas, como o gado destinado ao matadouro, e que muitas vezes desconhecem a possibilidade que (raramente) têm de assumir o seu destino nas suas mãos.
Movo-me todos os dias num contexto educacional. Leio e releio, vejo e revejo, escuto e volto a escutar artigos, filmes e programas sobre o printing que nos é feito logo os primeiros anos de vida que, não sendo absolutamente irreversível, é algo com o que temos que aprender a viver. No entanto, na maioria das vezes, estas marcas são depois desvalorizadas por omissão, numa massificação que teimosa e cegamente quer fazer igual o que à partida é tão diferente.
Não tenho nada a noção dos coitadinhos nem dos privilegiados. Trabalho todos os dias com miúdos que habitam ambas as margens da sociedade. Conheço-os. Converso com os que me permitem entrar, observo atentamente os que me mantêm à porta. À espera de uma fresta. Apercebo-me dos seus medos, das suas defesas, do imenso que, apesar das aparências, os une. Não acredito por isso que a forma de combater o privilégio de uns é privilegiar outros. Faltando-lhes ao respeito. Facilitando-lhes a vida. Tratá-los como coitadinhos é fomentar a preguiça, aprofundar a separação, semear o ressentimento. É por causa disso que abomino a facilitação generalizada e desleixada que grassa nos cursos "profissionais" onde muitos deles são despejados como quem lhes dá um rebuçado para não chatearem ninguém. Porventura pensar-se-à que se ganha tempo e dados estatísticos, quando na verdade adiam-se futuros e adensam-se gravidades.
Acredito na exigência da manutenção dos limites, claros e firmes. Acredito no compromisso e na exigência do compromisso. Acredito na necessidade das regras e dos valores e da convivência. E acredito que tudo isto apenas faz sentido se não fecharmos portas. Se deixarmos claro que cada dia é um dia. Se fizermos perceber que o que castigamos são algumas das atitudes e não as pessoas que as cometem. Acredito no imenso valor da partilha: dos olhares, das conversas, dos toques, do conhecimento mútuo. Acredito, fundamentalmente, que é permitido recomeçar. Sempre. Todos os dias. Sem recriminações. De braços abertos. De coração escancarado!


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