Quando, no âmbito de um trabalho para faculdade, me perguntou como me preparara para o Caminho, respondi que normalmente não me preparo: meto meia dúzia de coisas na mochila e deixo-me ir. Se a pergunta tivesse sido feita em relação a Taizé, a resposta teria sido idêntica. Nunca me preparo a sério para essas coisas: encho a mochila com o mínimo e abandono-me nos braços de quem me ama.

Este despojamento, que tanto bem me faz, não acontece, contudo, no meu quotidiano. Aí tenho sempre a sensação que tenho que pensar em tudo, que preparar tudo, que organizar tudo, por forma a não desapontar aqueles que contam comigo. E a cabeça vai enchendo, a vida vai enchendo, e nem a almofada serve de consolo porque é justamente quando pouso a cabeça na almofada que os acontecimentos passados e futuros me assaltam e perturbam o sono. Em vão, claro. Porque, por muito que me avie em terra, o mar alto é imprevisível e escapa com facilidade aos meus anseios e desígnios.

Há, nos tempos litúrgicos que vão pautando a vida na fé, uma sabedoria que mereceria uma muito maior atenção da minha parte. Uma sabedoria laboriosamente construída ao longo de séculos, alicerçada na vida por pessoas que intuíram o que seria melhor para nós, para o nosso ritmo de vida, para o nosso encontro connosco e com os outros. Este tempo do Advento, que nos pede uma paragem para podermos esvaziar os bolsos e encher as almas, é disso um excelente exemplo. Se quisermos, se a isso estivermos dispostos, podemos chegar ao Menino como Ele está, despojado, confiante, abandonado aos braços de quem O ama.

Por vezes penso que há qualquer coisa de muito contraditório nesta necessidade de nos despojarmos do que quer que seja. É quase insultuoso, como quando temos que fazer regime para não engordarmos. Na realidade, mais do que vivermos acima das nossas possibilidades, vivemos muito acima das nossas conveniências, do que é o melhor para nós e, lentamente, vamo-nos deixando enredar, como rã em lume brando. E os tempos litúrgicos, como o Advento ou a Quaresma, têm, pelo menos, o condão de tentar introduzir alguma racionalidade nesta nossa forma de vida, que é profundamente irracional. Irónico, não é?

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