“Não podemos ignorar
que, nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de drogas e de pessoas, o
abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias formas
de corrupção e crime. Ao mesmo tempo, o que poderia ser um precioso espaço de
encontro e solidariedade, transforma-se muitas vezes num lugar de retraimento e
desconfiança mútua. As casas e os bairros constroem-se mais para isolar e
proteger do que para unir e integrar.
(…) O sentido unitário e completo da vida humana proposto pelo Evangelho
é o melhor remédio para os males urbanos, embora devamos reparar que um
programa e um estilo uniformes e rígidos de evangelização não são adequados
para esta realidade. Mas viver a fundo a realidade humana e inserir-se no
coração dos desafios como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em
qualquer cidade, melhora o cristão e fecunda a cidade.”
Evangelli Gaudium, 75
Nunca é fácil falar ou escrever do que nos mexe cá por
dentro. E o Espaço RAIZ mexe cá por dentro. Partilhar a vida com quem, para o
bem e para o mal, não tem filtros, para quem tudo é genuíno, todas as emoções e
reflexos estão sempre à flor da pele, deixa marcas profundas. Conquistar o
respeito e o carinho de quem se habituou a ser mantido nas bordas de uma
sociedade que teima em ser madrasta, é uma tarefa que implica uma entrega e uma
perseverança que não se compadece com caprichos momentâneos ou fugazes estados
de alma. Não que seja tarefa para super homens ou super mulheres, mas porque é
uma vida feita de avanços e recuos, onde cada dia é um dia, onde cada manhã é
uma oportunidade para recomeçar tudo de novo, como se não tivesse existido
ontem.
O Espaço RAIZ pretende ser - tem que ser! - justamente esse espaço
onde é permitido recomeçar sempre, todos os dias, a todas as horas, qualquer
que seja a falta cometida. Onde um castigo
- porque também os há – não pode durar mais que um reforço positivo,
para que cada um perceba que há uma outra forma de ser, de fazer, de se fazer,
que escapa às garras daqueles que, do outro lado da avenida, traficam a vida em
pequenos pacotes de dependência e miséria.
O Espaço RAIZ pretende ser – tem que ser! – um lugar onde as
pessoas se sintam seguras, acarinhadas, dignas de serem respeitadas e amadas.
Um lugar onde coisas tão básicas como a partilha das dificuldades e das
alegrias, o respeito pelo outro, a manutenção do espaço e até a preocupação com
a higiene - coisas que, em condições normais, acontecem no seio familiar - se
fazem quotidianas até encontrarem o seu lugar na normalidade do dia a dia.
O Espaço RAIZ pretende ser – tem que ser! – um lugar de
descoberta e de encontro, pessoal e comunitário, de trocas de experiências, de
aprendizagens mútuas, de olhares cruzados entre crianças, jovens, adultos e
idosos, por forma a se conseguirem ler uns nos outros, identificar uns nos
outros, conviver uns com os outros, numa (re)descoberta feita de muitas vidas
que, apesar de serem fisicamente tão próximas, são separadas por um mar de
dificuldades e conflitos.
Não conheço outra forma de tentar fazer isto tudo que não
seja o de meter a mão na massa, o de estar lá, o de partilhar as suas conversas
e brincadeiras, o de ir tentando, discretamente, com tempo, com muito tempo,
sem imposições, fazer com que acreditem em si e nas suas capacidades. Que
acreditem que ir à escola vale a pena, que estudar vale a pena, que trabalhar
vale a pena, que empenhar-se a fundo para crescer vale a pena, e que, cedo ou
tarde, todos nós, qualquer que seja a nossa circunstância pessoal, precisamos
de aprender a fazer e a respeitar compromissos. E, fundamentalmente, fazê-los
acreditar que são dignos de construir o seu futuro, que não estão condenados, à
partida, a viver nas bordas, a viver das bordas, e que, no lado certa da
avenida, encontram quem se preocupa genuinamente porque os ama genuinamente.
Texto escrito para a revista do Colégio
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