Começaram por ser meia dúzia que, envergonhados, deslizavam
sob a penumbra e se sentavam, fixando os
seus olhares algures no chão do improvisado refeitório. Agora, passadas escassas
semanas, já se contaram setenta refeições, servidas numa só noite, na Mesa de
São Pedro.
É muita gente, convenhamos!
Demasiada!
Por todos os motivos.
É muita gente, convenhamos!
Demasiada!
Por todos os motivos.
Esta é uma daquelas ações que preferíamos todos que nunca
tivessem que acontecer no meio de nós, e que ansiamos que algum dia tenha que fechar
por falta de utentes. Sendo um ato de pura disponibilidade – de tempo, de
trabalho, de bens, de entrega pessoal – não deixa, contudo, de ser um ato que envolve alguma dor: a dor natural de quem
é íntimo da necessidade absoluta de ser servido une-se, como que
paradoxalmente, com a dor de quem serve e se confronta com o sofrimento que os
seus olhos refletem. A Mesa de São Pedro não é, por isso, um ato de
caridadezinha piedosa de pessoas que têm que encontrar forma de ocupar as suas
vidas: é tempo roubado ao tempo para dar a quem precisa, é o arregaçar das
mangas e passar das palavras aos atos, é fazer alguma coisa que de alguma forma
consiga romper com o intolerável ciclo descendente que a vida reservou para
alguns de nós.
A mesa sempre foi, para Jesus, um lugar especial. Sendo o
espaço da confraternização (com + frater = junto do irmão), foi por isso
pretexto de milagre quando Jesus transformou a água em vinho; lugar de
escândalo quando comia com os excluídos; lugar de serviço quando lavou os pés
aos discípulos; lugar de entrega absoluta quando celebrou a Última Ceia… Assim
pretende ser, de alguma forma, a nossa Mesa de São Pedro. Necessariamente
limitada às capacidades de cada um, prefere imitar Jesus e ignorar o escândalo
que ainda é proferido à boca fechada e empenhar-se no serviço e na entrega ao
outro como forma de contribuir para a restauração da dignidade daqueles que,
porventura, terão dificuldade em encontrá-la neste período tão difícil das suas
vidas.
Não sendo uma iniciativa agradável - nunca o poderia ser,
quando temos que lidar com o sofrimento alheio – a Mesa de São Pedro pretende
ser uma resposta, concreta e definida, ao inquietamento que o outro nos
provoca, desinstalando-nos e forçando-nos a abandonar a nossa zona de conforto.
Infelizmente, não acreditamos que a necessidade se esgote em pouco tempo. Por
isso, precisamos sempre de ajuda, estamos sempre abertos ao contributo de todos
aqueles que preferem fazer a opinar.
As portas continuam abertas.
Zé Armando Pinho
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