Mesa de São Pedro (O Poço 201212)


Começaram por ser meia dúzia que, envergonhados, deslizavam sob a  penumbra e se sentavam, fixando os seus olhares algures no chão do improvisado refeitório. Agora, passadas escassas semanas, já se contaram setenta refeições, servidas numa só noite, na Mesa de São Pedro.
É muita gente, convenhamos!
Demasiada!
Por todos os motivos.

Esta é uma daquelas ações que preferíamos todos que nunca tivessem que acontecer no meio de nós, e que ansiamos que algum dia tenha que fechar por falta de utentes. Sendo um ato de pura disponibilidade – de tempo, de trabalho, de bens, de entrega pessoal – não deixa, contudo, de ser um ato  que envolve alguma dor: a dor natural de quem é íntimo da necessidade absoluta de ser servido une-se, como que paradoxalmente, com a dor de quem serve e se confronta com o sofrimento que os seus olhos refletem. A Mesa de São Pedro não é, por isso, um ato de caridadezinha piedosa de pessoas que têm que encontrar forma de ocupar as suas vidas: é tempo roubado ao tempo para dar a quem precisa, é o arregaçar das mangas e passar das palavras aos atos, é fazer alguma coisa que de alguma forma consiga romper com o intolerável ciclo descendente que a vida reservou para alguns de nós.

A mesa sempre foi, para Jesus, um lugar especial. Sendo o espaço da confraternização (com + frater = junto do irmão), foi por isso pretexto de milagre quando Jesus transformou a água em vinho; lugar de escândalo quando comia com os excluídos; lugar de serviço quando lavou os pés aos discípulos; lugar de entrega absoluta quando celebrou a Última Ceia… Assim pretende ser, de alguma forma, a nossa Mesa de São Pedro. Necessariamente limitada às capacidades de cada um, prefere imitar Jesus e ignorar o escândalo que ainda é proferido à boca fechada e empenhar-se no serviço e na entrega ao outro como forma de contribuir para a restauração da dignidade daqueles que, porventura, terão dificuldade em encontrá-la neste período tão difícil das suas vidas.

Não sendo uma iniciativa agradável - nunca o poderia ser, quando temos que lidar com o sofrimento alheio – a Mesa de São Pedro pretende ser uma resposta, concreta e definida, ao inquietamento que o outro nos provoca, desinstalando-nos e forçando-nos a abandonar a nossa zona de conforto. Infelizmente, não acreditamos que a necessidade se esgote em pouco tempo. Por isso, precisamos sempre de ajuda, estamos sempre abertos ao contributo de todos aqueles que preferem fazer a opinar.

As portas continuam abertas.

Zé Armando Pinho

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